Capítulo 13


As luzes estavam fracas no quartel. Metade dos bombeiros de elite estava sentada ao redor da mesa da cozinha, jogando cartas, enquanto os outros tomavam banho.
O único barulho era dos canos de água que passavam pelo dormitório até chegarem aos dez chuveiros e dos meus dedos batucando no teclado. Eu tinha meio que me tornado parte do sofá desde que voltamos ao nosso lar temporário, ao mesmo tempo descansando e carregando as últimas fotos. Depois que enviei a última delas, comecei a digitar o próximo capítulo da série Fogo e Gelo da revista Opinião das Montanhas.
Tyler saiu do banho quente, com o cabelo recém-cortado e as bochechas vermelhas. Quando ele estava limpo, a marca de bronzeamento ao redor dos seus olhos, por usar os óculos de proteção o dia todo no sol, se destacava. Ele estava usando uma camiseta cinza mesclada da Equipe Alpina de Bombeiros de Elite, short de algodão azul-marinho e, aparentemente, nada por baixo.
— Minha vez? — perguntei, quando ele se jogou no sofá ao meu lado.
Tyler franziu a testa.
— As cabines dos chuveiros ficam uma do lado da outra.
— E daí? Sou só um dos caras, certo?
Tyler não respondeu, mas percebi que a ideia de eu tomar banho perto dos membros da sua equipe o incomodava. Inicialmente, todos eles se ofereciam para me deixar tomar banho primeiro, mas, depois de quase duas semanas na montanha, eu não ia fazer todos os vinte esperarem.
Dei uma risadinha.
— Estou brincando. Pudim! — gritei. — Sua vez! Vai lavar esse fedor!
— Sim, senhora — disse Pudim, saindo num pulo da cadeira dobrável acolchoada.
Tyler soltou uma risada, e eu o cutuquei com o cotovelo.
— Qual é a graça?
— De algum jeito, você virou a chefe por aqui. Eles recebem ordens de você como se fossem do superintendente ou do Jubal.
— Talvez eles só precisem de uma irmã mais velha.
Tyler observou Pudim atravessar a sala em direção aos chuveiros, com a bolsa de banho pendurada no ombro. Pudim se abaixou ao passar pela porta, os braços musculosos enormes se destacando do resto do corpo. Ele era o mais forte membro da equipe, seguido de Gato e Docinho. Apesar de terem chegado como levantadores de peso, a caminhada e o trabalho árduo de doze a dezesseis horas por dia os deixavam mais magros. Tyler dissera que, no fim da temporada de incêndios, todos eles estariam mais parecidos com corredores de cross-country.
Pudim já tinha perdido uns vinte quilos.
— Você acha que ele precisa de uma irmã mais velha? — perguntou Tyler.
Pudim colocou a cabeça virando a esquina.
— Ellie? Você acha que pode fazer outro queijo quente daqueles? São os melhores que eu já comi.
— Eu faço pra você — disse Peixe da mesa.
A expressão tímida de Pudim o fez parecer um garotinho.
— Não. Tudo bem, Peixe.
Sorri. Eu não era a melhor cozinheira, mas fazia um queijo quente maneiro. Pudim não quis dizer que o meu queijo quente era o melhor, só que era muito parecido com o que a mãe dele fazia quando ele era pequeno.
— Três? — perguntei.
— Se não for dar muito trabalho — respondeu Pudim. Sua voz era tão profunda que parecia que ele falava através de um megafone abafado, como possivelmente deveria ser a voz de um gigante.
— Posso fazer depois do meu banho? — perguntei.
— Mendigos não têm escolha.
Ele desapareceu, e eu estiquei o pescoço na direção de Tyler, olhando para ele com um sorriso convencido.
— É, acho que todos eles precisam de uma irmã mais velha.
— Ou de uma mãe — comentou Tyler. — Eles não vão deixar você ir embora.
— Se eu não achar um lugar pra morar até outubro, pode ser que eu tenha que ficar. — Eu estava brincando, mas Tyler me olhou durante muito tempo.
— Você precisa de um lugar para morar? — perguntou ele. — Estou procurando alguém para dividir a casa.
— Achei que você e o Taylor morassem juntos.
— Mais ou menos. Ele viaja depois da temporada de incêndios.
— Preciso de um lugar permanente.
— Talvez pudéssemos procurar um apartamento de três quartos. Essa é a última temporada do Esperto. Ele e a esposa têm um apartamento de três quartos que vão vender.
Pensei por meio segundo.
— Não tenho grana pra comprar.
— Eu tenho. De qualquer maneira, eu já estava pensando nisso.
Balancei a cabeça.
— Não podemos dividir um apartamento.
— Por que não?
— Você sabe por quê.
Ele assentiu algumas vezes, fingindo ver tevê. De tempos em tempos, ele sorria e começava a dizer alguma coisa, mas mudava de ideia.
Pudim apareceu usando roupas limpas e confortáveis, e o resto da equipe coberta de fuligem olhou para mim.
— Sério? — perguntei.
Eles continuaram me encarando.
Suspirei.
— Vai, Gato.
Gato deu um pulo, sorrindo.
— Sou o preferido dela.
— Mentira — disse Tyler, apontando para ele.
Todo mundo na mesa riu, e Gato passou acelerado, fazendo biquinho de beijo para mim.
— Também te amo, Ellie — cantarolou ele, piscando.
— Vou dar um soco no seu pau — ameaçou Tyler, dando um tapa nele.
Sálvia saiu, e eu mandei Judeu entrar. Bucky saiu, e eu chamei Sancho. Em pouco tempo, todos tinham terminado, e era minha vez. Revirei os olhos para Tyler — ele insistiu de novo em ficar na porta. Não era a primeira vez que eu tomava banho no quartel, e os caras nunca espiariam, mas eles adoravam provocá-lo.
Parei diante da longa fileira de pias e espelhos, aninhada em meu roupão — a única coisa que trouxera que me lembrava os luxos de casa. Sequei o cabelo com a toalha, me sentindo um pouco mais humana. Às vezes, tínhamos acesso a um trailer cheio de cabines com chuveiros, mas, quando estávamos muito enfronhados na floresta para as caminhonetes terem acesso, era viver suja ou tomar banho numa lagoa, num rio ou numa cachoeira. No alojamento de incêndio, eu era uma pessoa diferente, ignorando a sujeira e o suor no corpo e a oleosidade nos cabelos. Certa vez, Tyler me levara até uma cachoeira para eu me lavar, mas a água estava congelante. Para mim, pelo menos, ficar suja por mais uns dias era preferível às ferroadas na neve recém-derretida que não esquentava, mesmo no auge do verão.
Tyler bateu na moldura da porta.
— Estou vestida — falei.
Ele se apoiou ali, cruzando os braços.
— Você está se subestimando demais.
— O quê? — perguntei, passando hidratante no rosto. Depois de tanto tempo no ar seco da montanha, minha pele parecia uma lixa. Além do mais, eu havia esquecido de passar filtro solar naquele dia, e meu nariz estava começando a descascar.
— Nada — disse ele. — Eu estava falando sobre o que eu disse mais cedo. Se você precisa de um lugar pra morar, a gente pode dar um jeito nisso.
— Não podemos morar juntos, Tyler. Já temos esse lance esquisito de amizade colorida...
— Ultimamente, não — disse Tyler, quase fazendo biquinho.
— Isso deixaria as coisas muito complicadas. Olha pra você. Parado na porta do banheiro pros outros caras não passarem em frente.
— Estou protegendo sua virtude — provocou ele.
— Você está com ciúme. Eles gostam de te provocar quando o assunto sou eu. Todo mundo sabe...
— Todo mundo sabe o quê? — perguntou ele.
Pigarreei.
— Você sabe.
— Não sei, não. Me fala.
— Que tem alguma coisa acontecendo entre nós. — Ele sorriu, e a covinha afundou mais na sua bochecha. Estreitei os olhos. — Para de sorrir.
— Não — disse ele.
Molhei a escova de dentes, coloquei um pouco de pasta nela e a molhei de novo.
— Eu faço isso — disse Tyler.
— O quê? — perguntei, a boca cheia de espuma.
— Eu também molho a escova de dentes duas vezes.
Revirei os olhos.
— Acho que somos almas gêmeas.
— Ainda bem que você concorda.
Eu me inclinei e cuspi na pia, e Tyler me agarrou, grudando os lábios nos meus. Quando o empurrei, ele estava com um círculo de pasta de dentes ao redor da boca.
— O que você está fazendo, Tyler? Que nojento!
Ele limpou a pasta de dentes da boca e lambeu o dedo, piscando para mim.
— Eu meio que sinto sua falta.
Fiquei parada ao lado da pia, a água correndo, observando Tyler virar a esquina, quase saltitando. Balancei a cabeça, me perguntando que diabos tinha dado nele. Desde que eu estava no quartel, ele vinha sendo profissional. Nada de me espiar à noite, nada de agarrar minha bunda, nem mesmo um beijo roubado — até aquele momento.
Olhei no espelho para o meu rosto afundado e para a felicidade que iluminava os meus olhos. Uma sensação de tontura girou no meu estômago, diferente do formigamento que eu costumava sentir quando Tyler estava por perto. O verão estava voando. Ele estava falando em dividir um apartamento, mas a realidade era diferente no meio do nada, quando se estava cercado de árvores e vendo as mesmas vinte pessoas todos os dias. Eu não sabia se Tyler continuaria se sentindo assim quando a temporada de incêndios terminasse.
Vesti uma calça de pijama de flanela, um suéter e meias fofinhas e fui para a sala de televisão. Dezenove bombeiros de elite estavam parados atrás do sofá, escutando Tyler falar com um desconhecido de terno escuro e gravata. O homem estava sentado numa das poltronas reclináveis, com um bloco e uma caneta.
Eu me aproximei do grupo, para escutar a conversa.
— Então você não falou com o seu irmão sobre o incêndio? — perguntou o homem.
— Quer dizer, sim — respondeu Tyler. — Sou ex-aluno da Eastern. Ele é aluno. Somos da mesma fraternidade, e perdemos irmãos nesse incêndio.
— Mas você tem certeza que ele não estava lá — disse o homem. — Gostaria de te lembrar que sou agente federal, e é importante que seja sincero comigo.
— Ele já respondeu, agente Trexler — interrompeu Taylor, com a voz firme.
Engoli em seco. Tyler tinha recebido a ligação sobre o incêndio em março. Eu me perguntava por que só agora o estavam interrogando.
O agente encarou Taylor.
— Ele falou com você sobre isso?
— Não — respondeu Taylor. — Ouvi a história do Tyler.
Trexler apontou com a caneta para o irmão gêmeo no sofá.
— E você é o Tyler.
— Correto — afirmou Tyler.
Trexler olhou para o bloco de anotações.
— É interessante você ser...
— Bombeiro de elite interagências — completou Peixe. — E bom pra caramba.
Trexler disfarçou um sorriso.
— Seu pai acha que você é corretor de seguros. Você era? Corretor de seguros?
— Não — respondeu Tyler.
— Por que seu pai acha que você é?
Taylor alternou o peso do corpo de um pé para o outro, apertando os braços com mais força.
Dava para ver seus bíceps se contraindo.
— Nossa mãe morreu quando éramos crianças — respondeu Tyler. — Nosso pai ia ficar chateado se soubesse o que fazemos.
— Então — continuou o agente —, é correto afirmar que ele poderia não saber que o Travis estava num ringue de luta clandestina com o objetivo de receber apostas no campus da faculdade?
— O Travis não estava no incêndio — disse Tyler, com a expressão vazia.
— Isso é tudo, agente? Esses garotos acabaram de voltar de quase duas semanas na montanha. Eles precisam descansar — explicou Sálvia, coçando a barba ruiva enquanto falava.
O agente Trexler analisou o rosto de cada membro da equipe de bombeiros de elite, depois fez que sim com a cabeça.
— Claro. Entrarei em contato com seu superintendente para avisar que vou precisar de uma comunicação oficial. Esta investigação está em aberto, e seu irmão está envolvido. Sua cooperação é a melhor coisa que você pode fazer por Travis neste momento.
— Como quiser — disse Tyler, se levantando. — Boa noite, agente Trexler.
Assim que a caminhonete de Trexler deixou o quartel, a equipe de Taylor e Tyler deu tapinhas nas costas deles, em um apoio silencioso.
Fiquei de longe, observando os gêmeos se envolverem numa conversa intensa no canto. Taylor se afastou com as mãos nos quadris, depois voltou para o irmão, balançando a cabeça. O resto da equipe se reuniu ao redor da mesa, voltando ao jogo de cartas. Eles também eram da família de Taylor e Tyler, mas sabiam que os gêmeos precisavam pensar na própria família em casa.
Taylor voltou para o alojamento, e Tyler olhou para mim antes de baixar o olhar. Eu já tinha visto aquele olhar muitas vezes, a maioria no espelho. Ele estava com vergonha.
Atravessei a sala, parando a poucos passos dele.
— O que eu posso fazer?
Ele franziu a testa, tentando se concentrar no chão.
— Tudo bem — falei. — Você não precisa me contar. Eu posso... você sabe... só ficar por perto.
Ele assentiu, mantendo os olhos no carpete. Eu recuei, me ajeitando no canto do sofá mais próximo da parede. Joguei uma manta de tricô no colo e fiquei quieta. Tyler atravessou o cômodo, sentando sobre os joelhos aos meus pés.
Passei a mão em seu cabelo, parando na nuca.
— Eu menti pra você — sussurrou ele. — Mas, se eu contar a verdade, você vai ser arrastada para essa confusão.
Balancei a cabeça.
— Você não precisa me contar.
Ele olhou para mim com raiva.
— Você não me escutou? Eu menti pra você.
— Não, você estava protegendo seu irmão.
Tyler me encarou.
— E agora estou protegendo você.

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