Capítulo 9
— Você está horrível — disse
Tyler, segurando minha cadeira.
Sentei, mantendo os óculos de sol
no rosto.
— Obrigada.
— Dormiu tarde? Achei que você
não ia mais beber.
— Não ia — falei, me encolhendo
ao som da sua voz, da luz do sol que entrava pelas janelas e da merdinha
pré-jardim de infância no canto, que gritava e pulava como se tivesse fumado crack.
— O que aconteceu? — perguntou
Tyler.
— Uma amiga apareceu ontem com
uma garrafa de uísque.
Ele fez cara feia.
— Depois do quê? Cinco semanas
limpa? Não me parece uma amiga muito boa.
— Não estou tentando ficar limpa.
Esse termo é usado pra alcoólatras.
Tyler chamou Chelsea, levantando
o dedo.
— Oi. Você pode trazer água, por
favor? — Ela assentiu, e ele voltou a atenção para mim. — Você consegue comer?
— Talvez.
Ele balançou a cabeça.
— Pelo menos se divertiu?
— Ãhã. Conversamos até meia-noite
e caímos no sono. Ela fez biscoitos, conversamos sobre os meus pais, a Finley
e... — Deixei a voz desaparecer, me lembrando das lágrimas e do choro sobre
Sterling antes de desmaiar. Eu tinha contado para Paige. Ela sabia o que eu e
Sterling tínhamos feito. Cobri os olhos. — Ah, não. Ah, meu Deus. Que merda.
— Então... não se divertiu?
— Não quero falar sobre isso.
Mingau de aveia. Sem frutas. Com canela. — Eu estava determinada a comer, pois
não sabia quando teria outra refeição que não fosse macarrão instantâneo. — Por
favor.
— Pode deixar — disse Tyler,
fazendo o pedido assim que Chelsea voltou com a água. Ele não falou muito, e eu
não reclamei. Já havia um excesso de movimento, luz, som e respiração.
Barulho de pratos, conversas,
umas crianças malditas rindo, portas de carro batendo com força — todo mundo
devia morrer.
— Você parece estar com raiva de
tudo — comentou Tyler.
— Mais ou menos isso. — Puxei o
capuz sobre a cabeça, apoiando o rosto nas mãos.
— Essa é uma daquelas coisas da
qual vamos rir depois?
Afundei no assento. Os óculos de
sol não estavam ajudando. Parecia que o sol estava perfurando o meu cérebro.
— Provavelmente não. Sinto muito.
Chelsea deslizou a tigela de
mingau de aveia diante de mim, o cheiro de canela subindo até o nariz. O cheiro
parecia realmente apetitoso, até eu sentir o aroma da pilha de panquecas com mirtilos,
chocolate, chantili e xarope de bordo de Tyler.
— Meu Deus — soltei, me
encolhendo. — Alguém já disse que você come como uma criança pequena?
— Muitas, muitas vezes —
respondeu ele, atacando a pilha com o garfo e enfiando-o na boca.
— Como você consegue ter essa
aparência — soltei, apontando para ele — comendo desse jeito? — Apontei para o
prato.
— Temos muito tempo livre na
estação, ao contrário do dormitório durante a temporada de incêndios. Não gosto
de ficar parado, por isso faço muito exercício.
Claro. Ele era um mamute.
Peguei a colher e mergulhei na
tigela, pegando uma pequena porção, só para testar o estômago. Até agora, tudo
bem. Torrada simples, canela, mingau de aveia leve. Eu ainda sabia festejar
como uma estrela do rock, mas aparentemente não sabia me recuperar como uma.
Terminei de beber a água com dois
comprimidos de analgésico que tinha trazido de casa e olhei para o relógio.
— Está com pressa? — perguntou
Tyler.
— Só quero ter certeza de que
vamos chegar ao escritório a tempo, se seu superintendente não deixar você o convencer
desse plano absurdo.
Tyler já tinha derrubado metade
das panquecas. Eu nem vi.
— Fotógrafos nos seguem o tempo
todo. Mas não sei como você vai conseguir nos acompanhar no seu estado, se
formos chamados. As trilhas são bem violentas.
— Cala a boca.
— Ladeira acima.
— Por que você está me
torturando?
— ... na neve.
— Você se preocupa com o seu
trabalho, e eu me preocupo com o meu.
Tyler deu risada.
— Como foi que a filha de um
bilionário acabou tirando fotos de ação pra uma revista? Isso é meio nada a
ver, não?
— Já te falei dos meus pais, e eu
sei que você lembra. Você contou pra Paige enquanto bebia ou sei lá o quê.
— Isso te incomoda? — perguntou
Tyler, se divertindo.
— Você falar da minha vida? Ou
você estar com a Paige?
— Os dois.
— Era pessoal. Não era exatamente
uma conversa de bar.
— Você está certa. Desculpa.
Achei que ela era sua amiga... e eu estava preocupado com você. Achei que ela
sabia mais do que eu.
— A Paige é uma garota doce. Ela
não é minha amiga.
— Amizade colorida?
Olhei furiosa para ele, que
levantou as mãos, rindo.
— Já terminou de encher a cara de
comida? Está me dando enjoo — falei.
Ele se levantou, colocou algumas
notas sobre a mesa e me ajudou a levantar. Em seguida me segurou, apoiando meu
peso com facilidade e parecendo um pouco solidário.
— Você está bem?
Soprei uma parte da franja
comprida solta sobre meu rosto, ainda mais puta comigo mesma do que já estava,
e, para ser sincera, puta com a Paige também. Mas ela não sabia o duro que eu estava
dando no trabalho. Ela não era responsável pelo rumo diferente que eu estava
dando em minha vida; isso era responsabilidade só minha.
Tyler me guiou até sua
caminhonete e me ajudou a entrar. Tentei olhar para a frente e manter os olhos
na estrada, porque andar no banco traseiro do Audi no caminho até o Winona uma hora
atrás tinha sido um desastre.
Menos de quinze minutos depois,
viramos na Mills Drive. A caminhonete quicou no asfalto irregular e no gelo
quando ele estacionou ao sul da estação.
— Sinto muito — disse ele. — Mas
temos que fazer uma pequena caminhada.
Um exaustor soprava uma névoa
branca pela lateral do prédio marrom, e eu desci e olhei para o outro lado da
rua, estreitando os olhos para ver se as luzes já estavam acesas na revista.
— Se você precisar vomitar, a
hora é agora — comentou Tyler, contornando a frente do veículo e parando ao meu
lado. Seu braço largo envolveu meus ombros, mas eu o afastei com uma sacudida.
— Eu estou bem. Não me trata como
se eu fosse um bebezinho. Fui eu que fiz isso comigo.
— É. Fez mesmo. — Tyler caminhou
pelo tapete de neve que cobria o longo espaço entre a caminhonete e a estação.
Chegamos à porta dos fundos e, com uma virada rápida da maçaneta, ela se abriu.
Tyler apontou na direção do corredor à frente. — Você primeiro.
Cruzei os braços para afastar o
frio enquanto entrava. Por algum motivo, era muito mais difícil me manter
aquecida quando eu estava de ressaca — outro motivo para eu estar puta.
Tyler bateu as botas num grande
tapete industrial, e eu fiz a mesma coisa. Ele fez sinal para eu segui-lo por
um corredor enfileirado, com porta-retratos baratos com fotos de antigos superintendentes
e alguns bombeiros mortos. A última foto era dos anos 1990, e o cara não devia ter
mais de vinte e cinco anos. Parei, encarando suas sardas e seu sorriso doce.
Passamos por um portal aberto que
levava a uma garagem muito bem iluminada, cheia de caminhões pipa, carros de
bombeiro e equipamentos. Mochilas e capacetes estavam pendurados em ganchos nas
paredes, e mangueiras extras estavam enroladas em grandes prateleiras.
— Deixo você tirar umas fotos
daqui depois que o superintendente liberar — disse Tyler. — O chefe do meu
esquadrão disse que está aqui hoje, analisando currículos.
Depois de algumas portas
fechadas, atravessamos outro portal. Tyler apontou para trás de nós.
— Ali é o escritório do chefe do
esquadrão. O superintendente está lá dentro agora, xingando o computador. O
nome dele é Chefe.
— Ele é chefe ou superintendente?
— O nome dele é Chefe. O cargo é
de superintendente. É ele que vai permitir que você fique no dormitório.
— Entendi. Espera. Vou ficar no
dormitório? Onde é isso?
— Entrando no Parque Nacional das
Montanhas Rochosas. Se você tiver permissão para nos acompanhar, não podemos
vir até a cidade pra te pegar toda vez que recebermos uma chamada.
— Que merda. Então eu vou ter
que, tipo... fazer uma mala?
— Ãhã. Aqui — disse ele,
apontando para a frente com a cabeça — são os nossos aposentos. Sala de
televisão — explicou ele, apontando para a esquerda.
Dois sofás e quatro poltronas reclináveis
estavam posicionados diante de uma grande televisão. Era de tela plana, mas
parecia ser a última daquele modelo, mais velha do que a maioria dos caras que
estavam vendo TV.
Tyler acenou, e eles acenaram em
resposta, mas não o suficiente para saírem das poltronas.
— Outro escritório — disse ele,
apontando para um cômodo mais à esquerda. — Fazemos nossos relatórios naquele
computador. E aqui — apontou para a direita — é a cozinha.
Passei pelo batente e vi uma mesa
retangular com oito lugares de cada lado e uma área de cozinha modesta, rodeada
de armários, uma geladeira e um fogão. Perto da pia havia uma torradeira e um
micro-ondas. Eles pareciam ter tudo de que precisavam, apesar de o lugar ser do
tamanho de um closet para mais ou menos oito homens.
Tyler seguiu em frente e passou
por um segundo batente.
— Aqui são os quartos de dormir.
— Sério? — O cômodo parecia uma
enfermaria, com camas quase lado a lado, separadas apenas por peças individuais
quadradas, parecidas com armários. — O que é aquilo?
— É pra guardar nossos
pertences... roupas extras, casacos, coisas assim. Tem dois de cada lado, como
armários.
— Você dorme assim? Num cômodo
enorme com um monte de caras?
— Às vezes. Sim, alguns deles
roncam.
Fiz uma careta, e Tyler riu.
— Vem comigo. Vamos ver o
superintendente.
Atravessamos de novo a cozinha,
passando pelos caras na sala de TV. Eles estavam começando a se mexer, se
levantar e espreguiçar.
— Eles vão a algum lugar? —
perguntei.
— Eles tomam café da manhã e veem
as notícias. Depois descem e fazem algumas tarefas, a menos que a gente receba
uma chamada. Fora da temporada, nossa semana é típica, com quarenta horas, das
cinco da manhã às quatro da tarde, ou das quatro da tarde às dez da noite.
— Não tem bombeiro à noite?
— Tem, os caras dos carros de
bombeiro, que trabalham em tempo integral.
— Tarefas?
— É. Lavar os veículos, varrer e
passar pano no chão, lavar pratos... qualquer coisa. Não temos empregadas.
Rosnei para ele, sabendo que era
uma provocação comigo.
— O tempo ocioso, se tivermos, é
bem diferente na estação de serviço dos bombeiros de elite. Cavamos novas
trilhas e consertamos cercas e sinais, fazemos treino de corrida...
— Então, não é tempo ocioso de
verdade — concluí.
Tyler bateu à porta em frente aos
quartos, e uma voz profunda rosnou do outro lado:
— Entra, droga!
Tyler piscou para mim e abriu a
porta. O superintendente estava sentado atrás da mesa, parcialmente escondido
por várias pastas de arquivo e um computador antigo semelhante a uma caixa,
parecendo frustrado.
— Oi, Chefe. Tenho uma jornalista
aqui que...
— Você sabe alguma coisa sobre
Twitter? — perguntou o Chefe, os olhos pretos voltados para mim.
— Como? — perguntei.
— Twitter. Você sabe alguma coisa
sobre isso? Alguém com muito mais tempo e que ganha muito mais dinheiro do que
eu decidiu que precisamos ter uma conta no Twitter, e eu não tenho a menor
porra de ideia de... como se diz?
— Tuitar — disse Tyler, tentando
não rir.
Ele socou a mesa.
— Maldição! Tuitar!
— Sim. Acho que posso ajudar —
falei —, mas estou aqui com uma tarefa, senhor...
Ele me olhou por um instante
antes de balançar a cabeça e voltar a atenção para o computador.
— É só Chefe. Que tarefa?
— Sou... fotógrafa da revista
Opinião das Montanhas. — Mesmo que fosse verdade, eu me sentia mentindo. —
Recebi a tarefa de cobrir a Equipe Alpina de Bombeiros de Elite. O sr. Wick gostaria
de compartilhar com a comunidade o que vocês fazem.
— Nós tuitamos — resmungou ele.
Tyler soltou uma gargalhada.
— Chefe, por favor. A srta. Edson
gostaria de...
— Edson? — disse o Chefe,
finalmente decidindo que eu merecia mais atenção que o Twitter.
Merda.
Chefe estreitou os olhos para
mim.
— Da Edson Tech?
— Hum... — comecei, sem saber
muito bem qual era a resposta certa. Meu pai tinha tanto amigos como inimigos.
Talvez até mais inimigos.
— É apenas uma fotógrafa —
explicou Tyler. — Para de encher o saco dela e diz sim ou não. Estou aqui no
meu dia de folga.
— É, e por quê? — perguntou o
Chefe.
— Devo um favor a ela — respondeu
Tyler.
— É mesmo?
— É. Ela pode acompanhar a equipe
e tirar fotos, ou não?
— Ela recebeu cartão vermelho?
— Chefe. —Tyler, pareceu
irritado.
— Se ela puder me mostrar como
mandar um tuíte, sim.
Tirei o casaco e o passei a
Tyler, contornando a mesa e me ajoelhando ao lado do superintendente.
— Tuitar, Chefe. Você tuíta no
Twitter. E precisa ter uma conta pra isso. Preencha esses dados aqui.
Ele digitou no teclado, seguindo
os passos para criar uma conta.
— Clique naquele botão — falei,
apontando. — Aqui, você pode carregar uma foto. Aposto que você tem seu logo na
pasta de imagens. — Cliquei algumas vezes e, como eu pensava, o logo da Equipe Alpina
de Bombeiros de Elite estava em uma das pastas de arquivos. Uma das fotos de campo
virou uma bela imagem de cabeçalho, e eu me levantei. — Tudo pronto.
— Tudo pronto pra quê? —
perguntou o Chefe.
— Clique naquele ícone e digite o
que quiser.
— Não o que quiser, Chefe —
especificou Tyler. — Digita alguma coisa associada aos bombeiros de elite, mas
nada de palavrões. E tem que ter menos de cento e quarenta caracteres.
Ele franziu o nariz.
— Cento e quarenta o quê?
— Escreva sobre aquela limpeza
que ajudamos a fazer outro dia. Ou sobre a distribuição de alimentos que vamos
fazer no fim de semana. Fala que estamos prontos pra temporada de incêndios que
se aproxima e publica a foto do grupo. Curto e adorável.
— Limpeza e distribuição de
alimentos? Vocês fazem essas coisas? — perguntei.
— Sim. O tempo todo. — Tyler
disse isso como se eu tivesse obrigação de saber.
Depois de uma batida à porta, uma
voz conhecida soou:
— Quem é a sainha?
Virei e vi Taylor parado na
porta. Era muito perturbador como os dois irmãos eram idênticos.
Olhei furiosa para ele.
— Não estou de sainha nem sou uma
saia. E você sabe perfeitamente bem quem eu sou.
Taylor piscou e sorriu.
— Pode contar para todas as
feministas da sua rede social que você se ofendeu primeiro — ele disse, antes
de virar em direção à sala de TV.
O maxilar de Tyler pulsava sob a
pele; ele soltou a respiração devagar. Os olhos do superintendente dançaram
entre mim e os irmãos Maddox.
— Que diabos foi isso?
— Nada, Chefe. Já tuitou?
Chefe clicou o mouse e se
recostou na cadeira, apoiando os cotovelos no apoio de braços.
— Está tuitando!
— A Ellie está liberada?
— Sim. Deixe-a sempre na zona
negra ou na maldita zona de segurança, e saia do meu escritório. Tenho trabalho
a fazer.
— Sim, Chefe — concordou Tyler,
me enxotando para o corredor.
— Zona negra? — sussurrei.
— A área que já foi queimada e
virou carvão — explicou Tyler, me imitando.
Soltei um suspiro de alívio.
— Foi mais difícil do que eu
imaginava.
— Ele é um cara legal. Ele faz as
coisas, garante que todo mundo tenha os equipamentos necessários, até mesmo
quando o metal acha que a gente não precisa.
— Metal?
— Os figurões do governo. É um
lance de orçamento. Uma luta constante. Não é pra isso que você está aqui.
Vamos conhecer alguns dos caras.
Tyler me conduziu até a baia dos
caminhões, onde o resto da equipe trabalhava arduamente. Dois deles colocavam
capa num dos caminhões, dois varriam e passavam pano no piso de concreto e
outros estavam no canto com os equipamentos.
— O que é aquilo? — perguntei,
apontando para híbridos de machado e martelo pendurados na parede.
— Ah, aquilo são pulaskis.
Aqueles ali — disse ele, apontando para uma ferramenta parecida com uma pá —
são rinocerontes. Fazemos aqui.
— Vocês fazem aquilo?
— É, com um aparelho de solda,
uma serra, uma lixa e outras ferramentas. Tudo que a gente puder encontrar, na
verdade. Às vezes precisamos ser criativos.
Peguei a câmera, tirei algumas
fotos das ferramentas e mirei os membros da equipe trabalhando. Tyler se aproximou
dos homens sob o capô de um veículo que parecia uma ambulância enorme.
— Isso é um ônibus de equipe —
disse Tyler.
— Quando funciona — comentou um
dos homens.
— O cartaz lá fora diz
Interagências, e vocês têm equipamentos Interagências aqui, mas também carros
de bombeiro, e aqui é o departamento de incêndios da cidade? — perguntei, confusa.
Tyler deu de ombros.
— Acúmulo de funções. Facilita as
coisas, ainda mais porque muitos de nós cuidamos de incêndios urbanos e
ambientais. Também é mais perto da cidade, fora da temporada.
Fiz que sim com a cabeça, pegando
o bloco de anotações e a caneta.
— Esse — disse Tyler, apontando
para um homem mais alto do que ele, mas não tão musculoso — é o Smitty. — O
bombeiro usava óculos e tinha um tipo sofisticado de beleza, com pele cor de
oliva e uma mancha de graxa no rosto.
Os dois limparam as mãos na calça
e me cumprimentaram.
— Lyle Smith — disse Smitty,
apertando minha mão.
Tyler apontou para o outro.
— Esse é o Taco.
— Taco? — perguntei. O cabelo
vermelho e a pele sardenta não me davam nenhuma pista do motivo do apelido.
— Clinton Tucker. Meu filho tem
dois anos. Quando ele fala nosso sobrenome, parece que está falando taco.
Infelizmente pegou, mas não é o pior apelido por aqui.
— Todo mundo tem um apelido? —
perguntei.
Tyler deu de ombros.
— Basicamente.
— Qual é o seu?
Smitty deu uma risada.
— Ele tem um apelido, mas ninguém
tem coragem de falar na cara dele.
— Você vai ter que me contar —
falei com um sorriso cínico.
— Não — disse Tyler. — Ele não
vai contar.
Anotei o nome deles.
— É difícil pra você, Taco? Ficar
longe do seu filho durante dias ou até semanas?
— Acho que sim. Não temos opção.
É o meu trabalho — explicou Taco, limpando as mãos com uma estopa. — Durante a
temporada de incêndios, às vezes são meses.
— Há quanto tempo você é bombeiro
de elite?
— Esta é minha quarta temporada
no Colorado.
Eu assenti e deixei os caras
voltarem ao que estavam fazendo, depois parei no canto para tirar algumas fotos
deles trabalhando.
— Ali está o Watts... Randon
Watson — disse Tyler, parando quando Watts acenou com uma das mãos, segurando
um pano na outra. — E esse é o líder do nosso esquadrão, Jubal Hill. Não deixa
o cabelo grisalho te enganar. Ele é um animal.
— Jubal? — perguntei. — Qual o
nome dele de verdade?
Jubal soltou a vassoura e se
aproximou, o cabelo claro destacando a pele bronzeada e os olhos azul-claros.
Estendeu a mão.
— Jubal Lee Hill. Prazer em
conhecê-la.
— Jubilee — repeti.
Ele olhou para mim e soltou uma
risada.
— Só Jubal. Não preciso de
apelido.
— Prazer em conhecê-lo — falei.
Quando ele se afastou, eu o documentei como uma paparazzo. Ele deveria estar
num calendário ou trabalhando para a Vogue em Nova York, usando terno e óculos
de marca, não empurrando uma vassoura numa garagem.
— Tudo bem — disse Tyler. — Todas
as mulheres que passam por aqui têm uma queda pelo Jubal.
— Ele não parece convencido — falei.
— É porque ele não sabe.
— Entendi.
— Sério. Ele ama a mesma mulher
desde sempre. Desde, sei lá, o quinto ano ou alguma coisa assim. Eles se
casaram logo depois do ensino médio, e... você devia ver os dois. São nojentos.
— Nojentos?
— Como recém-casados. E estão
casados há trinta anos.
— Isso é nojento?
— Não — respondeu Tyler. — Só que
a gente gosta de pegar no pé deles. Aposto que os meus pais ainda seriam assim
também. É bem legal de ver. O resto da equipe está fora.
— Quantos são na sua equipe? E o
que você quer dizer com “fora”? Eles estão feridos, de férias ou doentes?
Tyler deu uma risadinha.
— As equipes costumam ter uns
vinte homens e mulheres.
— Mulheres?
— Não muitas, mas os bombeiros de
elite mais obstinados que conheço são mulheres.
Sorri, deixando a câmera
pendurada no cordão ao redor do pescoço.
— E onde está o resto?
Tyler me levou até uma foto do
grupo emoldurada.
— Como eu disse, fora da
temporada, quando não estamos combatendo incêndios, às vezes recebemos outras
tarefas, como busca, resgate, ou assistência em casos de desastre. Também trabalhamos
para cumprir metas de escape nas nossas unidades originais. Alguns caras têm outros
empregos de meio expediente, ou ficam desempregados, esquiam, viajam, ou passam
um tempo com a família. — Ele apontou para os rostos que eu não reconheci. —
Peixe, o assistente do superintendente. Sálvia, Bucky e Esperto são líderes de
esquadrão, como o Jubal. Docinho. Gato. Patinete. Bolseiro. Judeu. Sancho.
Anão. Pudim. Cachorrinho.
Arqueei uma sobrancelha.
— Te dou uma lista completa dos
nomes depois.
— Nomes de verdade, por favor. O
que são metas de escape?
— Ginástica, implementação de
recomendações dos bombeiros, melhoria de casas, projetos de construção de
trilhas... coisas assim. Às vezes, vamos às escolas e fazemos... você sabe...
coisas do mascote dos bombeiros, Smokey Bear.
— Quem veste a fantasia? —
perguntei.
Tyler fez uma careta.
— Eu.
Abafei o riso.
— Obrigada por isso — falei,
escrevendo no bloco. — Quando der, quero tirar uma foto sua fantasiado. — Ele
franziu a testa, e eu o cutuquei. — Você é um pesseguinho por me mostrar o local
e um anjo por me levar pra ver o superintendente.
— Um pesseguinho?
— Então, quantas horas em média
você trabalha?
Tyler cruzou os braços.
— Vamos fazer isso agora?
Tirei o olhar do meu bloco de
anotações.
— Sim.
— Depende se é temporada de
incêndios ou tempo ocioso. Se estivermos combatendo um incêndio, só dormimos,
comemos e trabalhamos. Podemos trabalhar até dezoito horas por dia, mas não é
raro trabalhar trinta e duas horas seguidas. E até catorze dias seguidos.
— Caralho — sussurrei.
— Costumavam ser vinte e um.
Depois recebemos nossos dias de folga obrigatórios, quarenta e oito horas de
descanso e recuperação, e voltamos à ativa. Viajamos pra todo lado... onde precisarem
de nós. Até para o Alasca, Canadá e México.
— Há quanto tempo você faz isso?
— Sou um pesseguinho? Sério? —
perguntou ele, se divertindo.
— Cala a boca e responde.
— Não posso calar a boca e
responder... — Ele deixou a frase morrer, se encolhendo com meu olhar furioso.
— Estamos na terceira temporada. Antes disso, nós éramos da equipe de terra.
— Nós? — indaguei, levantando o
olhar para ele de novo.
— O Taylor e eu.
— Vocês são um pacote?
— Mais ou menos — ele respondeu
casualmente, e o imaginei fazendo a mesma coisa em entrevistas também.
Rabisquei algumas frases, depois
encostei a caneta no lábio.
— Não vejo muitos caras mais
velhos na sua equipe. Por quê?
— E não vai ver muitos, de modo
geral. O combate a incêndios ambientais é terrível. Se você fizer isso por mais
do que cinco ou seis temporadas, começa a ter problemas físicos permanentes.
O superintendente vai aos locais,
mas fica basicamente restrito a uma mesa de trabalho porque já fez cirurgias
nas costas, no joelho e no ombro.
— Meu Deus — murmurei.
— O quê?
— Nada. Você falou alguma coisa
sobre a comunidade. O que mais vocês fazem?
— Você quer dizer doação pra
comunidade? Durante o tempo ocioso temos treinamento físico de manhã e à tarde
marcado na agenda, patrulhamento, treinos, trabalho com serra, construção de
cercas, sinalização...
Anotei suas respostas enquanto
ele falava, esperando que Jojo conseguisse dar um jeito de formular uma
história a partir dos meus rabiscos.
— Você tem folga? — perguntei.
— Não durante a temporada de
incêndios. Tirei o dia hoje pra fazer umas coisas.
— Você precisa... — falei,
apontando para a porta.
— O quê? Não, não, tudo bem.
— Você não quer me deixar sozinha
com esses caras, não é isso?
— Não quero mesmo.
— O que você vai fazer quando
sair daqui até a hora de voltar? O que um bombeiro de elite faz em seu dia de
folga?
As sobrancelhas de Tyler se
uniram, e ele me encarou, confuso.
— O que você quer dizer?
— Você vai sair, não vai? Você
não mora aqui, né?
— Não, não vou sair.
— Então você mora aqui?
— Não, tenho um apartamento com o
meu irmão, aqui em Estes Park. Normalmente só ficamos na estação quando estamos
de serviço, mas, sim... você está aqui, por isso eu também estou aqui. Fui eu
que liberei você com o superintendente, então você é minha responsabilidade.
Franzi o nariz ao pensar nisso.
— Se os caras forem chamados, seu
plano é ir junto, certo?
— Bom... sim.
— Então eu fico. Eles vão estar
ocupados. E não vão ter tempo pra cuidar de você.
— Estudei no jardim de infância.
Sei cumprir ordens.
— Não vou discutir com você. É
assim que vai ser.
— E quando você estiver de
serviço?
— Mesma coisa.
— Ah, quer dizer que eles não vão
ter tempo de cuidar de mim, mas você vai?
— A Jojo queria que você nos
seguisse, certo? É assim que funciona quando temos jornalistas nos
acompanhando. Alguém tem que garantir que eles não se machuquem.
— Você não pode estar falando
sério. Estou presa a você, e você está preso a mim? Eu estava começando a me
sentir bem.
— Não vou te deixar sozinha. É
perigoso, Ellie.
— Você está exagerando.
Tyler franziu a testa.
— Estou repensando essa ideia.
De repente, eu me senti pesada e
entrei em pânico quando a bile amarga subiu pela minha garganta.
— Eu só estava brincando. Está
tudo bem? Você parece meio verde — disse Tyler.
— De repente, fiquei enjoada.
— O banheiro é seguindo pelo
corredor, segunda porta à direita.
Meu estômago se contraiu, eu tive
ânsia e cobri a boca. Não esperei acontecer de novo e corri até o banheiro.
Assim que me dobrei sobre o vaso, pensei na minha câmera mergulhando na água e
coberta de vômito, mas ela estava flutuando acima da minha orelha direita, na
mão do bombeiro de elite que eu amava odiar.
— Por que eu sou tão burra? —
gemi, e minha voz ecoou na porcelana.
Tyler estava segurando minha
câmera com uma das mãos e meu cabelo com a outra.
— Ela está bem? — perguntou um
dos caras no corredor.
— Ela está ótima, Smitty. Só
pegou aquela virose que anda dando por aí — disse Tyler.
— Que droga — disse Smitty. —
Fiquei de cama durante dois dias por causa dessa merda.
Vomitei de novo. Os dois homens
fizeram o mesmo barulho, igualmente surpresos e enojados.
— Estou superempolgada de ter
público para isso no meu primeiro dia — comentei.
— Desculpa — disse Smitty. —
Melhoras, Ellie.
— Nada humilhante — falei,
vomitando de novo.
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