Capítulo 17
Meus dedos estavam estendidos no colo, todos os dez manchados de
tinta e cobertos de terra. Eu os entrelacei, levando o nó dos polegares até a
testa e fechando os olhos, mas não rezando para ninguém. Ecos de movimentos
cruzaram o corredor até a minha cela, e meu joelho começou a tremer de novo.
Era a primeira vez que eu era presa sem saber que meu pai me soltaria uma hora depois.
Lágrimas arderam no arranhão em meu rosto, apenas um dos diversos
ferimentos que a floresta deixara em meu corpo enquanto eu tentava me arrastar
pelas árvores densas e pelos galhos secos e afiados feito lâmina. Minha cabeça
ainda estava girando por causa das inúmeras vodcas com tônica que me ajudaram a
decidir entrar na zona negra.
As barras rolaram para a direita, e o subdelegado segurou o portão
antes que ele batesse na parede.
— Você tem amigos no alto escalão, Edson — disse ele.
Eu me levantei, mantendo a mão na frente do rosto para bloquear a
luz forte.
— Quem? — perguntei.
— Você vai descobrir em breve.
Saí, pedindo a Deus que a pessoa do outro lado da parede não fosse
meu pai.
O subdelegado me conduziu pelo braço até uma pequena sala, onde
Trex estava sentado em uma cadeira dobrável. Ele se levantou e estendeu a mão
para me livrar do homem.
— Não fala — sussurrou Trex.
— Estamos soltando a srta. Edson sob sua custódia, agente Trexler.
Supomos que você vai garantir que ela não vá a uma área restrita novamente.
— Ela vai para o norte. Para longe do incêndio — disse Trex.
Caminhamos por um longo corredor até a frente da delegacia. Tyler
estava sentado numa das dezenas de cadeiras enfileiradas na parede branca, com
a cabeça apoiada nas mãos. Quando a porta se fechou assim que saímos, ele
levantou o olhar.
— Ah, graças a Deus — ele soltou, se levantando e me puxando para
o peito. Ele beijou meu cabelo, inalou meu cheiro e depois me segurou à
distância de um braço.
Eu me encolhi, sabendo o que ele ia dizer.
— Que porra você estava pensando, Ellison? Quer dizer... que porra
foi essa?
— Aqui não — comentou Trex, segurando a porta da frente para
sairmos.
Tyler pegou minha mão e me puxou, seguindo Trex pela calçada até
um Audi muito parecido com o do meu pai. Trex abriu a porta de trás para mim, e
eu sentei, deslizando pela lateral quando Tyler veio sentar ao meu lado. Depois
que a porta se fechou, os gritos recomeçaram.
— Você tem ideia de como eu fiquei apavorado quando recebi a
ligação? — reclamou ele, furioso. — Você tem ideia da confusão da porra em que
poderia se meter... da confusão em que todos nós poderíamos nos meter... se o
Taylor não tivesse envolvido o Trex? Você sabe o que aconteceria comigo se
alguma coisa acontecesse com você?
— Sinto muito — falei. — Eu não estava tentando fazer você ser
demitido.
Tyler agarrou meus ombros.
— Demitido? — Ele balançou a cabeça, me soltando antes de se
recostar de novo no banco.
— Que inferno, Ellie, eu achei que você tivesse morrido.
A culpa me tomou, e a ficha das últimas seis horas de caminhada na
zona negra, levemente bêbada, e de ser fichada no sistema depois da prisão
finalmente caiu.
— Sinto muito, muito mesmo. Foi burrice. Eu não estava pensando
direito.
— Isso costuma acontecer quando você está bêbada — comentou Tyler.
— Eu só bebi dois drinques — falei, me sentindo imediatamente
culpada por mentir. Não precisei de muito tempo para retomar antigos hábitos.
Tyler ergueu uma sobrancelha, desconfiado.
— Você vai mesmo mentir pra mim? Depois de eu ter mexido mil
pauzinhos pra te tirar da prisão?
— Não estou... — Fiz uma pausa, me encolhendo com o olhar de
Tyler. — Mentindo.
— Uau. Está bom, então — disse ele, olhando para a frente.
— Tecnicamente, fui eu que mexi todos os pauzinhos — explicou
Trex.
Franzi a testa para Tyler.
— Como foi que você conseguiu que ele fizesse isso?
Tyler olhou para baixo, frustrado.
— Não pergunta como, Ellie. Só agradece.
— A quem? Ao FBI? Eu quero saber. O que você vai ganhar com isso,
agente Trexler? — Temi o pior: que Taylor ou Tyler tivesse concordado em
compartilhar informações sobre o irmão em troca da ajuda de Trex.
— Não sou mais agente — disse Trex. Eu não sabia se ele parecia
desanimado ou aliviado.
— O quê? — perguntei.
Tyler assentiu.
— Ele está falando sério. Ele não trabalha mais para o FBI.
Aparentemente, o chefe dele é um belo babaca.
Trex soltou uma risada, de algum jeito encontrando humor na
situação.
— Como foi que ele mexeu os pauzinhos, então? — perguntei.
Tyler suspirou.
— Ele simplesmente mexeu, Ellie.
— Por quê? — insisti. — O que você fez em troca, Tyler?
— A questão é o que você não vai fazer — respondeu Trex.
— Todos nós — complementou Tyler.
Cruzei os braços e estreitei os olhos.
— Do que vocês estão falando? O que isso significa?
— Darby — disse Trex.
— Darby? — Franzi o nariz. — Ela pensa que você é bombeiro de
elite — falei, com um tom acusatório.
— Estou sabendo. Você falou que eu não era? — perguntou Trex.
— Não — respondi.
— Ótimo. Precisamos manter as coisas assim — disse Tyler. — Esse é
o trato.
— Que a gente deixe o Trex mentir para a Darby? — perguntei. —
Quem é ela?
— Só uma garota — disse Trex. — Mas, se você queimar meu disfarce
com ela, vai voltar pra cela.
Eu me recostei no assento, descontente com as condições.
— Você não vai machucá-la, vai?
Ele fez uma careta, e as sobrancelhas grossas se uniram.
— Essa é a questão, Ellison. Você concorda ou não?
Olhei para Tyler.
— Você confia nele?
— Ele te tirou da prisão, não foi?
Comprimi os lábios, formando uma linha fina, e balancei a cabeça.
— Você não está investigando a garota? — perguntei.
— Não — respondeu Trex simplesmente.
— Tudo bem — soltei. — Você é um bombeiro de elite.
Vi Trex sorrindo pelo espelho retrovisor.
— Obrigado — disse ele.
Quando chegamos ao hotel, passei por Darby. Ela acenou para mim, e
eu sorri, na esperança de que Trex estivesse dizendo a verdade. Eu tinha falado
com ela de novo durante meu quarto drinque e, pelo que eu me lembrava, ela
estava em Colorado Springs para recomeçar a vida, fugindo de alguém ou de algo.
Darby não precisava de mais encrencas. Ela já fora magoada o suficiente.
Tyler me levou até meu quarto, parando do lado de fora da porta.
Ele parecia estar sofrendo pelo que estava prestes a dizer.
— Sei que você teve um dia longo, mas preciso que entre e faça
suas malas.
— O quê? Por quê?
— Porque o Trex pode ter te tirado da cadeia, mas o Chefe está
mais do que puto. Ele quer que você volte para Estes Park. Ele já ligou para a
Jojo.
Cobri o rosto.
— Merda. Merda... Por causa de um erro?
— Entrar em uma área restrita e ser presa é um grande erro. — Ele
olhou para o nada no corredor, com dificuldade para encarar os meus olhos.
— Estou fora pra sempre?
— Não sei. Me dá um tempo pra falar com ele. Vou deixar ele se
acalmar primeiro.
Expirei, desejando poder voltar o dia e recomeçar.
— E você? Ainda está com raiva?
O maxilar de Tyler travou, e ele me abraçou. Fechei os olhos,
pressionando o rosto no peito dele. Não havia nenhum lugar mais seguro para mim
do que Tyler.
— Simplesmente estou feliz por você estar bem — disse ele.
— Fica comigo — sussurrei.
Ele beijou meu cabelo.
— Um carro vai estar te esperando lá fora daqui a quinze minutos.
O Chefe quer você na estrada em direção ao norte. Só estou aqui pra garantir que
você faça as malas, pague sua conta e ponha o pé na estrada. Depois tenho que
voltar pro alojamento do incêndio.
— Você não vai comigo?
Suas sobrancelhas se uniram.
— Tenho trabalho a fazer, Ellie. Você tem que ir pra casa.
Meus olhos se encheram de lágrimas.
— Não tenho pra onde ir.
Ele enfiou a mão no bolso e pegou uma única chave, e a luz
refletiu no prateado.
— Lone Tree Village, em Estes. 111F. Nunca estamos lá, então é
praticamente um depósito.
Não sei nem se tem lençóis na minha cama. Não é uma cobertura de
luxo, mas é um lugar pra ficar. Meu quarto fica na última porta à esquerda.
Peguei a chave, fungando.
— Tyler...
— Só... aceita — disse ele. — Vou estar em casa daqui a algumas
semanas. E aí a gente decide o que fazer. — Ele deu um passo para trás,
acenando para mim antes de virar em direção ao elevador.
— Você não tinha que me colocar no carro? — perguntei.
Ele parou, mas não virou para trás.
— Desculpa. Acho que não consigo te ver partir.
Meu lábio inferior tremeu, e eu levei a chave até o sensor,
ouvindo a tranca clicar antes de virar a maçaneta e entrar. Minhas roupas ainda
estavam expostas, mas eu teria sorte se fosse chamada novamente.
A parede estava gelada nas minhas costas quando deslizei pela
tinta branca desgastada até o carpete velho, laranja e marrom. Meu celular
zumbiu, e eu o levei ao ouvido.
— Ellie? — disse Jojo.
Cobri o rosto com a mão.
— Eu fiz merda, Jojo — falei, pressionando os lábios para abafar
um soluço.
— É verdade. Fez mesmo. Agora você precisa se controlar e voltar a
ficar sóbria. Está me ouvindo?
— Ainda tenho um emprego?
— Você sabe que sim. Não estou dizendo que o que você fez foi bom,
mas é uma batalha difícil. Você perdeu essa. Vem pra casa, e vamos começar a
nos preparar pra próxima.
Meu rosto desmoronou, e eu respirei fundo.
— Não mereço isso, mas obrigada — sussurrei.
— Desliga, faz a mala e desce. O carro vai chegar aí daqui a
pouco. Quando chegar em casa, vai direto pra cama, e eu te pego pra ir pro
trabalho bem cedo amanhã de manhã. Entendeu?
— Entendi.
— Levanta. A tela em branco começa agora.
Respirei fundo, me levantando e, ao mesmo tempo, apertando a tecla
FIM. Não levei muito tempo para colocar na mala as poucas coisas que eu havia
trazido e logo saí porta afora, descendo de escada em vez de pegar o elevador.
Darby soltou a caneta marcador que estava usando para sua nova
obra de arte desenhada e se levantou.
— Ellie? Você está bem?
Parei na mesa da recepção, colocando o cartão-chave na frente
dela.
— Ãhã. Tenho que ir embora.
— Tem que ir? Por quê?
— Fiz merda. Me mandaram pra casa.
Darby balançou a cabeça, sem acreditar, mesmo tendo ouvido da
minha própria boca.
— Fez merda como? Só porque você bebeu?
— É uma longa história — falei. — O Trex pode te explicar.
— Se um dia você voltar... passa aqui pra dar um “oi”.
Sorri.
— Pode deixar.
Um homem mais velho que meu pai, vestido como um pregador da
Igreja Batista e com cheiro de loção pós-barba vagabunda, me deu um sorriso
forçado antes de pegar minha mochila.
O tufo no alto do cabelo branco estava rebelde, apesar do pote de
gel que ele parecia ter passado ali.
Esperei que ele abrisse a porta, mas ele abriu o porta-malas e
jogou minha mochila lá dentro.
Abri a porta sozinha, pensando que o carpete melado e o lixo
enfiado nos fundos do banco do passageiro eram a carona perfeita para uma
mulher que tinha acabado de sair da cadeia municipal.
As duas horas e meia até Estes Park pareceram especialmente
longas, uma vez que fui obrigada a inspirar o cheiro de naftalina e um ou dois
peidos. Quando chegamos à fronteira da cidade, o motorista virou a cabeça ao
mesmo tempo em que mantinha os olhos na estrada.
— Você tem um endereço?
— Lone Tree Village. Prédio F.
Ele suspirou.
— Você tem um endereço?
— Espera — falei, pesquisando no celular. — Manford Avenue, 1310.
O motorista digitou no GPS e se recostou, voltando à missão de me
ignorar.
Passamos por uma parte da cidade que eu não conhecia, depois
entramos numa rua lateral, dirigindo por mais uns dois minutos. O cartaz da
Lone Tree Village me deixou empolgada por um segundo, mas depois lembrei que a
maioria das coisas que eu levara da casa dos meus pais ainda estava no
alojamento da equipe Alpina, e tudo que eu tinha estava dentro da minha mochila.
O motorista dirigiu direto até os fundos, onde ficava o prédio de
Tyler. Contornou o prédio e parou na primeira vaga que encontrou.
Saí para o asfalto, e ele me entregou a mochila e voltou para sua
porta.
— Com licença? — falei, seguindo-o.
Ele se virou, irritado.
— Já está tudo certo.
— Ah — falei, observando-o abrir a porta e sentar atrás do
volante. Dei um passo para trás quando ele deu ré, vendo-o se afastar e depois
olhando para o prédio F.
O número 111 era em outro andar. Subi o primeiro lance de escada,
virei no patamar e subi mais um. Algumas lâminas cor de argila do piso de vinil
estavam faltando, mas era um bairro agradável, e o gramado lá fora era bem
cuidado — não que eu estivesse em posição de ser exigente.
Peguei a chave de Tyler no bolso e a girei na fechadura. O
mecanismo fez um clique, e meu coração disparou. Parar diante do apartamento de
Tyler, me preparando para entrar em seu espaço pessoal pela primeira vez sem
ele, parecia errado.
A maçaneta era fria e inóspita em minha mão, mas eu a girei mesmo
assim, empurrando a porta bege e entrando numa sala cheia de móveis e caixas.
Tyler tinha me alertado de que o apartamento parecia um depósito, mas havia
várias pilhas, deixando um caminho até a cozinha à esquerda e o corredor em
frente.
Segui o caminho até o corredor, apalpando a parede em busca de um
interruptor de luz.
Quando meus dedos encostaram no botão, eu o virei, iluminando um
corredor com seis metros de comprimento e paredes e carpete beges — duas portas
à direita e uma à esquerda. Empurrei a mais próxima e encontrei um banheiro.
Soltei a mochila e abri rapidamente a calça jeans, abaixando-a até os joelhos,
sentando no vaso gelado e gemendo enquanto me aliviava pela primeira vez em quase
doze horas.
A torneira demorou um pouco para me oferecer água quente. Olhei ao
redor antes de secar as mãos no jeans. Segurei na borda da pia enquanto tentava
superar o enjoo e a tontura que me inundavam. Inspirei e me senti
instantaneamente reconfortada — o apartamento tinha o cheiro do Tyler.
Com a mochila na mão, parei no fim do corredor entre duas portas.
Empurrei a da direita e vi um quarto com mais pilhas de caixas, uma cama sem
lençol e uma mesa de cabeceira. A porta que Tyler disse que era a dele estava
fechada, então virei a maçaneta e entrei, mas a porta atingiu uma pilha de
caixas e derrubou todas, menos duas.
— Merda — sibilei, soltando a mochila para arrumá-las.
Sequei a sobrancelha, depois atravessei o quarto para abrir uma
janela. Uma brisa fresca soprou em meu rosto, e eu fechei os olhos, respirando
fundo. Eu tinha sido banida do único lugar no qual me sentia em casa, afastada
das únicas pessoas que me pareciam uma família. Eu estava sozinha dentro do
depósito empoeirado de um homem com cujo pau eu era mais familiarizada do que
com suas esperanças e sonhos.
Apoiei o cotovelo no peitoril, sem conseguir lutar contra o tremor
em meus olhos. Daquele ponto, dava para ver as montanhas que se uniam ao redor
do alojamento. Meus olhos se encheram de lágrimas, e elas escaparam e desceram
pelo rosto, implacáveis, até meu corpo todo começar a tremer. Eu queria tanto
estar naquele prédio frágil com chuveiros de água gelada e camas
desconfortáveis que chegava a doer. Funguei algumas vezes e limpei o nariz com
o pulso, lambendo os lábios, desejando mais umas cinco ou seis rodadas de vodca
com tônica — que inferno, eu ficaria feliz com um pacote de doze cervejas
baratas, qualquer coisa que afastasse a minha dor.
Apoiei-me na parede, tentando manter a paisagem à vista, mas a única coisa a fazer era desejar o que eu não podia ter e fechar os olhos.
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