Capítulo 20

O único inconveniente de morar num apartamento novíssimo em cima do escritório onde funcionava a revista pagando quase nada era que, depois do fim da temporada de incêndios, Tyler estava trabalhando do outro lado da rua a cada três dias. A vantagem por trás disso era que Jojo gostava de ficar na minha casa depois do trabalho, e às vezes ela me levava ao Turk — e a filha do dono tinha um bom desconto.

Sentamos a uma mesa num canto, bebericando drinques à meia-luz. A decoração de Natal já estava pendurada no teto, e uma guirlanda vermelha e verde descia em espiral ao redor das vigas de madeira em cada canto do bar.

— Ainda bem que esses drinques são enormes — disse Jojo, enrolando as palavras. — Só bebi até aqui — disse ela, mostrando a metade do copo — e já estou chapada.

— Quanto mais rápido, melhor — falei, irritada por não estar nem tonta.

A porta se abriu de repente, e uma fileira de rostos conhecidos entrou, conversando e sorrindo.

Afundei no assento.

— Merda.

— Que foi? — perguntou Jojo, virando para ver o motivo da minha reação.

— Liam! — disse ela com um amplo sorriso.

Liam ouviu seu nome e virou para a nossa mesa. Jojo acenou como uma idiota, e ele mudou de direção, vindo direto até nós.

— Jojo! Que inferno! — sibilei.

Jack, Peixe, Jubal, Sálvia, Zeke, Bucky, Docinho, Gato, Taco, Watts, Smitty, Anão e Cachorrinho o seguiram, enchendo nossa mesa e pegando mais cadeiras quando acabaram os assentos. Fui espremida entre Jojo e Liam, e ela pareceu não gostar quando ele foi para a esquerda em vez de sentar ao lado dela.

— Não conseguiu trazer a equipe toda? — falei, dando uma cotovelada em Liam.

Ele riu e esfregou as costelas.

— O resto já vem. Exceto os gêmeos. O Taylor ficou em Colorado Springs, e o Tyler foi pra casa.

— Qual é o evento? — perguntou Jojo.

— Acabou a temporada de incêndios. A maioria dos caras vai pegar um avião amanhã de manhã — respondeu Jubal, dando um tapinha no ombro de Cachorrinho.

Todos pareciam exaustos, magros e felizes.

— O Tyler não quis sair na última noite do pessoal? — perguntei.

Watts pegou o celular.

— Ele vai vir, se eu disser que você está aqui.

Todos riram, menos eu.

— Por favor, não.

— Tarde demais — disse Watts, guardando o celular no bolso.

Meus ombros afundaram. Liam se aproximou do meu ouvido.

— Quer dizer que você deu um pé na bunda dele? Que maldade.

— Não dei um pé na bunda dele. Não estávamos juntos.

Sálvia comentou:

— Ele anda totalmente desanimado ultimamente. Acho que nunca vi o cara tão arrasado.

Jojo me observou com olhos sonolentos e vidrados e fez biquinho com o lábio inferior.

— Para — avisei.

— O Chefe falou que vai deixar você voltar na próxima temporada — disse Liam.

— Sério? — perguntou Jojo, as sobrancelhas se erguendo tanto que quase chegaram até o cabelo.

— É — disse Liam. — O pobre sujeito ouviu isso todos os dias de vinte membros da equipe.

— Você e o Jack vão pro aeroporto amanhã? — perguntei.

— Não. Vamos fazer uns passeios turísticos. Você devia ir com a gente. — Ele olhou para Jojo. — Sua fotógrafa devia fazer um artigo sobre a Grande Viagem de Carro Americana. Ela poderia cobrir sua seção de viagens.

— Não somos esse tipo de revista — explicou Jojo, irritada com Liam, agora que ele não estava flertando com ela.

Ele virou de novo para mim.

— Você devia ir.

— Não posso.

— Por quê? — ele perguntou.

— Porque tenho um emprego e contas pra pagar e não posso simplesmente ir embora. Já conheço os Estados Unidos. A maioria, pelo menos... e o resto do mundo também.

— Ah. Turista internacional, é? — comentou Liam. Ele era lindo — mesmo com nove quilos a menos, ossos do rosto mais pronunciados e olhos um pouco afundados —, mas a parte de mim que queria agir com base numa atração tinha sido roubada por Tyler, e ele não ia devolvê-la tão cedo.

— É.

— O pai dela é dono da Edson Technologies, gênio — disse Jojo.

Todos os homens da mesa cobriram a boca e disseram Ah! em uníssono. Eu não sabia por quê. A resposta a isso não foi tão maravilhosa.

— Seu pai é Philip Edson? — perguntou Liam, chocado.

— Já ouviu falar dele? — comentei, girando o canudo no copo alto.

Jack riu.

— A Paris Hilton nos seguiu pelas florestas esse tempo todo?

Franzi o nariz.

— Retira o que disse, pela-saco. Agora mesmo.

Todos na mesa, exceto Jack e Liam, pareciam confusos. Eles já tinham ouvido muito o termo na Austrália; era meu insulto australiano preferido.

— Me... me desculpa — disse Jack.

Liam caiu na gargalhada.

— Seu fracote! Você vai simplesmente aceitar isso dela?

Jack fez biquinho.

— O Maddox aceita muito mais do que eu.

Afundei na cadeira, atingida por culpa, vergonha e humilhação.

— Mas que porra, Jack! — reprovou Gato.

— Não, ele está certo — falei. — Não sei por quê.

— Eu sei — disse Jubal com um sorriso inteligente. — Mas pode ter certeza que ele não faria isso por mais ninguém.

Depois de um longo minuto de silêncio constrangedor, a equipe se voltou para suas cervejas e uísques, conversando sobre as histórias preferidas da temporada que estava acabando. De vez em quando, eles riam a ponto de se sacudirem, sempre à custa de alguém. Analisei o rosto dos garotos que aprendi a amar, desejando que meu preferido estivesse entre eles, mas, ao mesmo tempo, aliviada por ele não estar.

Liam se aproximou, dando um tapinha no meu copo vazio.

— Precisa de mais um, amorzinho?

— Sim, por favor — respondi sem hesitar. Alguém se oferecer para me pagar um drinque não era novidade — ter que esperar isso acontecer para beber foi algo que tive que aprender.

Liam levantou o dedo indicador no ar, chamando a garçonete, depois levantou meu copo vazio quando ela olhou na direção dele. Ela lhe sorriu, já enamorada pelo sotaque e pela marca de bronzeado dos bombeiros de elite ao redor dos olhos cor de esmeralda.

Ele se aproximou, e seus lábios roçaram na minha orelha quando ele falou. Explicou para onde ele e Jack estavam planejando ir primeiro, fingindo precisar de dicas de viagem e rindo do meu sarcasmo. Eu tinha acabado o drinque que ele me comprara e estava começando a me sentir um pouco mais leve quando seu olhar foi até os meus lábios.

— Eu estava esperando pacientemente, sabe — disse ele. — Já passou uma hora. Seu garoto ainda não veio te resgatar.

Olhei para baixo.

— Provavelmente porque não sou dele, pra ele resgatar.

— É, mas ele é seu. Dá pra ver na cara do pobre coitado.

Percebi o tom rosado nos lábios de Liam em contraste com a pele bronzeada. Um eco fraco dentro de mim sugeriu que eu pegasse o rosto dele e fingisse não me importar que Tyler não tivesse aparecido, como Watts dissera que ele faria. O gosto do drinque de Liam na minha língua não seria uma distração ruim. Quanto mais eu imaginava suas mãos fortes na minha pele, mais infeliz eu me sentia. Sterling deveria ter sido a minha ruína, mas Tyler tinha desistido de mim, assim como eu fizera com ele, e não havia um sentimento mais baixo que esse.

Só por uma noite, desejei poder voltar a ser a babaca patologicamente egoísta que eu era. Nem mesmo beber drinques de virada conseguia apagar a Ellie dois-ponto-zero. Jojo estava feliz, bêbada e tonta, mas a culpa e a dor por Tyler me consumiam. Expirei, e minhas costas atingiram a madeira dura da cadeira enquanto eu me perguntava se uma companhia mais experiente poderia ter me ajudado a me perder. Eu precisava de alguém extremamente manipulador, sem coração e cruel; alguém como eu.

— Você é péssimo no flerte — falei, vazia.

Liam pareceu surpreso com meu recuo, depois fechou um olho e franziu o nariz, quase como se estivesse com dor.

— Eu realmente estraguei essa porra, não foi? Esquece que eu disse isso. Me deixa ajudar. Vou comprar outro drinque pra você.

— Eu aceito.

A porta se abriu, e Tyler entrou sozinho, enfiando as mãos nos bolsos e olhando ao redor. Quando seu olhar recaiu sobre mim, ele se deteve. Minha respiração ficou presa, e meu coração martelou nas costelas. Era tudo que eu podia fazer para não sair da cadeira, correr pelo salão e agarrá-lo.

Tyler seguiu casualmente até o bar para cumprimentar Annie e pegar uma cerveja antes de passar pelas mesas e parar ao lado do nosso reservado no canto. Cada passo que ele dava parecia uma eternidade, mas ele finalmente estava ali, parado a poucos centímetros de distância.

Ele olhou para Liam antes de sorrir para mim.

— Oi.

— Oi — respondi, nervosa e envergonhada, sabendo que parecíamos ridículos diante da equipe.

Tyler pegou uma cadeira e sentou ao lado de Jubal, que lhe deu alguns tapinhas encorajadores nas costas.

— Estou feliz por ter resolvido se juntar a nós, Maddox.

Watts deu um sorriso forçado.

— Estou triste por saber que não fomos bons o suficiente para uma despedida, mas foi só incluir a Ellie no grupo...

— Cala a boca, Watts — rosnou Gato.

Tyler tomou um gole da garrafa e se recostou, parecendo não se alterar até Liam levantar o braço e apoiá-lo nas costas da minha cadeira. Os olhos de Tyler dispararam para o braço estendido de Liam, depois para Liam, com uma expressão assassina.

— Estávamos falando de você, Maddox — disse Liam.

Soltei uma risadinha involuntária e desajeitada.

— Não... não estávamos, não.

Tyler ficou na defensiva, sem saber a intenção de Liam, mas não se deixou intimidar. Tomou mais um gole de cerveja, depois se inclinou para a frente, com os cotovelos sobre a mesa.

— É mesmo?

— Não é, não — insisti, tentando ignorar o drinque para estar presente o bastante para evitar a humilhação.

Tyler sorriu para mim, e eu me derreti.

— Não tem problema. Eu estava pensando em você.

— E aí está — disse Liam. — Eu te falei, amorzinho.

O olhar de Tyler me abandonou e seguiu para Liam, e uma ruga se formou entre suas sobrancelhas.

— Não sei o que você está tentando fazer, Liam, mas, se quiser sair daqui com os dois braços, pode parar.

Liam riu, se divertindo de verdade.

— Liam — alertei.

— Só estou te provocando, cara. É fácil demais fazer isso.

A cadeira de Jack gemeu no chão quando ele se inclinou para a frente.

— Liam. Chega.

Liam ergueu os braços.

— Desculpa. Eu só estava tentando convencê-la a viajar comigo. Acho que não é de Colorado que ela vai sentir saudade.

Três rugas na testa de Tyler se aprofundaram quando suas sobrancelhas se ergueram. A equipe se remexeu nos assentos, testemunhando, desconfortável, a conversa.

— Mais uma rodada! — disse Jubal, erguendo o copo pela metade. O resto da equipe ergueu os copos e gritou em uníssono, concordando com a ideia.

Tyler se inclinou para a frente, abaixando o queixo enquanto encarava Liam.

— O que você está fazendo, cara? — O tom era o mesmo que ele usou com Taylor quando ficou decepcionado com seu comportamento.

Liam deu seu sorriso mais charmoso.

— Eu tentei, cara. Ela não me quer. Sou um excelente braço direito. Pergunta pro Jack.

Todos os dentes de Jack reluziram quando ele sorriu.

— É verdade.

Um canto da boca de Tyler se curvou, e ele olhou para mim. Assim que ele abriu a boca para falar, um homem do qual eu me lembrava vagamente chegou tropeçando até a mesa.

— Maddox! — disse ele com a voz enrolada, dando um tapa no ombro de Tyler.

Seus dedos se curvaram na parte de cima da camisa de flanela de Tyler e apertaram.

— Olha! — disse ele, com cuspe voando boca afora quando falava. — É a garota que me deu um chute no saco!

— Todd Mercer — falei, já que sua dica me ajudou a lembrar. — Eu adoraria fazer isso de novo por você.

Um olhar amargo surgiu no rosto dele.

— Ellie, não é?

Tyler se afastou da mão de Todd e suspirou.

— Estou ocupado, Mercer. Te dou uma surra mais tarde.

— Por quê? — perguntou Docinho, irritado. — Você leva uma surra todas as vezes, Mercer. Todas. As. Vezes.

Os olhos de Liam brilharam, se divertindo.

— Você deu um chute no saco dele, Ellie?

— Eu estava tentando impedi-lo de ser assassinado pelo Tyler.

— Assassinado — Todd bufou.

Liam não ficou impressionado.

— Quem convidou esse drongo?

Todd franziu o nariz.

— O que isso significa? Fala nossa língua!

Liam parou de sorrir, trocando um olhar com Jack.

— Sai fora, Mercer. Seu saco vai me agradecer — alertei.

A equipe deu uma risadinha, e Todd se empertigou, estufando o peito e subitamente lúcido.

— Caralho, você é bem tagarela para uma piranha que implora por uma bebida para os moradores daqui.

Depois de um silêncio repleto de perplexidade, cadeiras foram arrastadas no chão enquanto os bombeiros de elite da equipe Alpina se levantavam. Todd analisou a equipe, dando um passo para trás.

O rosto dos membros da equipe estava sério, mas nenhum era mais ameaçador que o de Tyler.

— Maddox! — gritou Annie acima da música.

— Tudo bem — falei, me levantando. Eu me inclinei por sobre a mesa e puxei a camisa de Tyler.

— Porra nenhuma — disse Tyler, olhando furioso para Todd.

— Não precisa ser grosso, cara — disse Liam.

— Maddox — disse Jubal, balançando a cabeça. — Estamos nos divertindo, e esse idiota bêbado não vai estragar a noite de todo mundo. — E apontou para Todd. — Sai fora, porra. Último aviso.

Tyler olhou de relance para Liam.

— Mantenha as garotas aí.

Liam fez que sim com a cabeça.

Todd abriu a boca, mas, antes que conseguisse formar uma palavra, Tyler disparou para cima dele. De repente, o bar todo era um enxame de comoção violenta, com gritos e braços balançando e grupos inteiros de homens se mexendo de um lado para o outro enquanto se agrediam.

Liam puxou Jojo mais para perto e estendeu o braço sobre o meu peito, inclinando o corpo na nossa frente para nos proteger. Claramente se divertindo.

— Não! — Jojo gritou quando uma mesa foi quebrada e jogada no chão. — Ai, meu pai vai ficar muito puto.

Jack estava em pé numa cadeira, orientando quem estava na parte inferior da pilha. Gato, Docinho e Pudim estavam jogando todos que não eram bombeiros de elite para fora da montanha de corpos surrados, feito crianças que procuram ansiosamente uma caixa de brinquedos.

— Parem. Parem! — gritei, empurrando o braço de Liam.

A cabeça de Tyler surgiu naquele caos por um breve instante. Fugi da segurança do muro bem a tempo de agarrar sua camisa com os dois punhos. Assim que Tyler deu um soco arrasador no maxilar de Todd, ele percebeu que eu estava segurando sua camisa e envolveu o braço nos meus ombros, se abaixando e desviando dos grupos de briga até estarmos em segurança no beco.

Balancei a cabeça.

— Aquilo foi... desnecessário.

— Você está tremendo — disse ele, estendendo a mão para mim.

Eu o empurrei.

— O Mercer mal conseguia ficar de pé, e você atacou o cara.

— Ellie... ninguém ia deixar o cara falar aquilo e sair ileso. Eu estava tentando nocauteá-lo antes que alguém o pegasse.

— Ah, então você estava fazendo um favor pra ele — comentei sem emoção.

Ele deu de ombros.

— Pelo menos ele não levou um chute no saco.

Parei e olhei para baixo, sem conseguir parar de sorrir. O resto da equipe saiu porta afora, rindo e puxando os amigos que ainda desferiam socos.

Liam e Jojo estavam de mãos dadas, já que a briga lhes dera uma desculpa para quebrar a barreira do limite pessoal. Depois de alguns drinques, um toque era suficiente para a maioria, e Jojo não poderia estar mais feliz.

Jubal expirou.

— Acho que serviu para liberar a tensão.

Peixe franziu a testa.

— O Wick não vai nos deixar voltar até a próxima temporada. Alguns de nós moram aqui.

— Vou conversar com ele — falei. — A Jojo também.

Todos eles sorriram, dando tapinhas e me abraçando enquanto passavam.

— Obrigado, Ellie — cada um deles disse. — Te vejo na próxima temporada.

Liam beijou meu rosto, piscando para Tyler.

— Se cuidem, vocês dois. Parem de fazer merda, está bem?

Jojo balançou as chaves.

— Precisa de carona?

— Eu levo ela — disse Tyler.

Olhei para ele, agradecida. Ele não tinha desistido de mim. Não importa o que eu dissesse ou fizesse, ele estava bem ali, esperando para cuidar de mim.

Jack deu um tapinha no ombro de Tyler, e a equipe foi até os carros estacionados na rua, conversando animadamente sobre a briga.

Tyler acenou para eles e virou para mim, dando início a um minuto completo de silêncio no beco na frente do Turk. Cruzei os braços, sentindo o suor da pele esfriar com o ar de outono.

— Está com frio? — perguntou Tyler. — Meu casaco está na caminhonete.

— Estou bem.

— Então... estou confuso — ele começou. — O Liam e a Jojo?

Dei uma risada alta, deixando as mãos caírem na lateral do corpo.

— Acho que sim. Estou tão surpresa quanto você.

— O Watts disse que o Liam te chamou pra fazer uma viagem de carro com ele.

Fiz que sim com a cabeça.

— O que você respondeu?

— Uma viagem de carro custa um dinheiro que eu não tenho.

— Esse é o único motivo?

— Tyler...

Seus ombros afundaram.

— Não importa o que eu faça, não é? Simplesmente não consigo... — E apontou para o espaço entre nós. — Ultrapassar o que está no caminho.

Pressionei os lábios e os prendi com os dentes. Eu estava tão bem ficando longe dele. Seria cruel admitir a verdade.

— Que foi? — ele perguntou com um meio sorriso. — Fala.

Balancei a cabeça.

— Deixa de ser covarde, Ellison. Fala — ele repetiu.

— Eu não devia.

— Devia, sim.

— Sinto saudade de você — soltei de uma vez.

Ele analisou o meu rosto, com uma nova luz no olhar.

Fechei os olhos.

— Penso em você o tempo todo... me pergunto principalmente por que aguenta tanto as minhas merdas.

— Nós dois aguentamos.

Desviei o olhar, tentando encontrar algo que prendesse minha atenção para Tyler não ver o sofrimento nos meus olhos.

— Mas, quando estou perto de você, Ellie... não importa por quê. Não importa o que você fez pra me emputecer ou me afastar. Não consigo explicar. Não consigo me livrar disso. Tem dias que eu gostaria de conseguir. Venho de uma família de homens orgulhosos, mas não sou o primeiro a vacilar quando se trata da única mulher da qual não conseguimos nos afastar.

— Você devia... se afastar de mim.

Ele deu uma risadinha.

— Você acha que eu não sei? Você é minha versão feminina.

Olhei para ele, feliz com essa confissão.

— Quando você apareceu hoje à noite, fiquei mais feliz do que me sinto há muito tempo.

Ele não hesitou e pegou meu rosto. Em seguida se aproximou, mas eu me afastei. Ele franziu a sobrancelha.

— E aí? O que eu tenho que fazer?

Meus olhos arderam quando agarrei a camisa dele com força.

— Já te falei. Já falei umas cem vezes. Sou toda errada. Estou bebendo de novo. Estou levando café batizado pro trabalho.

Ele deu de ombros.

— Nós começamos tudo de novo.

Lá estava aquela palavra outra vez. Nós. Não parecia mais tão estranha, e isso me assustava mortalmente.

— Não é tão simples. Não estou em condições de tentar administrar um relacionamento.

Tyler olhou nos meus olhos, depois soltou a camisa dos meus punhos e se afastou com as mãos na cabeça, respirando com dificuldade.

— Sei que sou babaca — falei. — Você não merece isso. Mas eu te avisei.

— Me avisou sobre o quê? — gritou ele, estendendo as mãos para a frente. — Que é maravilhoso estar com você? Que é incrível ver você desistir de tudo e lutar pra caralho na esperança de que sua irmã perceba isso do outro lado do mundo? Ou talvez você tenha me avisado que ia me fazer rir como um idiota?

Usei a manga para secar uma lágrima que havia escapado.

— Você poderia encontrar isso com qualquer garota normal e legal.

— Não quero uma garota normal, Ellie. Eu quero você — soltou ele.

Uma risada escapou dos meus lábios, mas o sorriso desapareceu rapidamente.

— Eu avisei que ia te fazer se sentir uma merda. Avisei que você era legal demais pra se envolver com alguém como eu.

— Alguém como você? — disse ele, ao mesmo tempo frustrado e desesperado. — Você devia ter me avisado que eu ia sorrir todas as vezes que pensasse em você... o tempo todo, porra! Você devia ter me avisado sobre isso também. Devia ter me avisado que você é linda de manhã, de noite, saindo do chuveiro ou com dez dias de sujeira no rosto.

— Isso não é engraçado.

— Não! Não é! Que maldição, Ellie, estou parado aqui dizendo que quero ficar com você, e você também quer isso. Eu sei que quer. Seus motivos nem fazem sentido.

— Não precisam fazer sentido pra você.

Ele soltou uma risada.

— Esse tempo todo eu achei que você era masoquista. Você é uma sádica do caralho.

— Eu te avisei! — gritei.

— Você não me avisou que eu ia me apaixonar por você, porra! — As veias de Tyler incharam no pescoço, e ele colocou as mãos nos quadris, recuperando o fôlego.

— O quê? — sufoquei.

— Você me ouviu — rosnou ele. A raiva se esgotou imediatamente dos seus olhos, substituída pelo remorso.

— Tenho tentado ficar longe de você, Tyler. De verdade. Não quero te arrastar pro fundo do poço comigo.

— Tarde demais! — ele gritou, esfregando a testa. — Não vim aqui pra brigar — falou, desesperado. — Estou cansado demais de tentar te odiar.

Suas palavras me feriram profundamente, e a dor se instalou em meus ossos. Eu mal conseguia formar as palavras.

— Então por que veio?

— Pra te ver — disse ele, esfregando a nuca. — Eu tinha que te ver.

Estendi a mão para ele de novo, desta vez mais devagar, testando seu humor. Tyler manteve as mãos nos quadris, seu olhar disparando para todos os lados, menos para mim. Eu o puxei para perto, deslizando as mãos sob seus braços, abraçando sua cintura, e apoiando o rosto em seu peito. O calor de seu corpo irradiava como febre, com uma leve camada de suor umedecendo a pele. Inspirei seu cheiro, sabendo que, se eu cedesse, poderíamos ficar um pouco menos magoados, um pouco menos destruídos, mas eu estava presa entre ser egoísta demais para deixa-lo ir e arrependida demais para deixar a situação ir muito longe.

À porta do Turk, as pessoas passavam por nós, caladas e curiosas. Até aquele instante, eu não tinha percebido que tínhamos conquistado um pequeno público. Tyler agia como se fôssemos as duas únicas pessoas ali.

— Estou feliz por você ter vindo — sussurrei.

Ele estava congelado desde que o abracei, com os braços tensos na lateral. Depois de alguns segundos, ele me abraçou também.

— Tem certeza?

— Estou com saudade do meu amigo.

Ele respirou profunda e lentamente, soltando o que estava prendendo.

— Seu amigo.

— Eu sei. Sei que é egoísta pra caralho — falei, fechando os olhos.

— Acho que vou aceitar o que posso ter. — Não dava para ver seu rosto, mas ele parecia arrasado.

— Promete?

Ele tocou na parte de trás do meu cabelo, depois beijou o topo da minha cabeça.

— Não. Não prometo. Foda-se tudo, Ellie. Não quero ser só seu amigo.

Dei um passo para trás, inquieta.

— É. Eu entendo. Quer dizer... claro. Quem faria isso, depois...? Foi uma idiotice falar isso.

— Eu disse a mim mesmo que não ia forçar a barra e forcei. Sei que você é fodida. Eu também sou. Não tenho a menor ideia de como resolver isso, e você... droga, você torna tudo mil vezes mais difícil do que tem que ser. Mas não vou a lugar nenhum. Não posso. Não quero mais ninguém.

— Não fala isso.

— Que pena. Podemos descobrir como fazer depois, quando você estiver pronta. Vou recuar, mas não somos só amigos, Ellie. Nunca fomos.

— E se eu nunca estiver pronta?

Ele enfiou as mãos nos bolsos da calça jeans, com esperança cintilando nos olhos.

— Já vi do que você é capaz quando quer alguma coisa. Acho que uma hora você vai estar pronta.

— Por que você está fazendo isso? — perguntei, sem acreditar. — Sou uma causa perdida!

— Eu também sou.

Cobri os olhos, tentando não chorar.

— É como falar com uma maldita parede! Você não está me escutando, e eu não sou uma pessoa tão boa a ponto de fingir que não quero você na minha vida. Estou tentando te fazer um favor, Tyler. Você tem que ir embora. Você tem que ser a pessoa que vai fazer isso. Eu já tentei e não consigo.

— Eu já te falei — disse ele. — Estou apaixonado por você. Isso não vai sumir. — Ele pigarreou. — Você vai na casa do Wick no Dia de Ação de Graças?

Pisquei, abalada pela mudança súbita na conversa.

— O quê? Não.

— Nem pra casa? Pra algum lugar com a sua família?

— A Finley me chamou. Mas não estou... pronta.

— Por que você não vai pra casa comigo, em Eakins?

— Pra casa com você.

Ele soltou uma risada, frustrado.

— Vai ser difícil. Provavelmente vai ser esquisito. Mas não importa o quanto vai ser difícil, vai ser mais fácil do que você ficar sozinha... e mais fácil pra mim do que me preocupar de você estar sozinha no Dia de Ação de Graças.

Pensei na oferta.

— Parece que estou numa encruzilhada.

Ele sorriu e estendeu a mão.

— Escolha o caminho comigo.

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