Capítulo 21
— Qual é o problema? — perguntou Tyler, cutucando meu
joelho com o dele.
Balancei a cabeça, encarando a nuca do motorista. A
janela de Travis estava um pouco aberta enquanto ele fumava e conversava com a
esposa, nenhum dos dois pensando em ajustar o aquecedor conforme o ar gelado
inundava o carro.
Travis era grande demais para o minúsculo Toyota
Camry prateado que estava dirigindo, sorrindo com frequência demais para a
esposa. Os dois estavam de mãos dadas, conversando sobre o intervalo nas aulas
do segundo ano na faculdade, e como este Dia de Ação de Graças seria melhor que
o do ano passado.
Ela levantou as mãos e as bateu no console, fingindo
estar ofendida.
— Sério? Você tinha que tocar nesse assunto.
Ele sorriu, convencido.
— Se eu conseguir alguns pontos de compaixão, baby,
pode ter certeza que vou falar.
Ela fez uma cena, ajeitando-se no banco e fracassando
miseravelmente em fingir que estava com raiva.
— Nenhum ponto pra você. Seja legal, ou não nos
casaremos de novo.
Ele levantou a mão dela e beijou seus dedos,
encarando-a como se ela fosse a estrela mais linda do universo.
— Vai, sim.
Os dois estavam mergulhados no próprio mundo e mal
nos perceberam, apesar de Travis quase ter nos derrubado no terminal. Ele e a
esposa, Abby, tinham nos pegado no aeroporto de Chicago, e eu estava congelando
no banco traseiro, desviando das cinzas de cigarro ocasionais.
As mãos dadas e a felicidade incessante estavam me
deixando levemente enjoada, e eu estava começando a me arrepender de ter vindo.
— Ei — disse Tyler, dando um tapinha delicado em meu
joelho. — Vai ser ótimo.
Travis fechou a janela, depois ligou o aquecedor.
Fantasiei sobre dar um peteleco na orelha dele e
culpar Tyler.
— Está nervosa? — perguntou Abby, virando para me
encarar. Ela me olhou diretamente nos olhos, linda e confiante. Seu cabelo cor
de caramelo era longo e naturalmente maravilhoso, os olhos cinza tão intensos
que qualquer um teria se encolhido com seu olhar. Eu me perguntei se era porque
o marido dela era a pessoa mais ameaçadora que eu já conhecera ou se ela tinha
uma agressividade própria.
— Não. Deveria estar? — perguntei.
— Eu fiquei um pouco nervosa no meu primeiro Dia de
Ação de Graças com os Maddox.
Tyler deu um soco no encosto do banco dela.
— Isso é porque você estava fingindo ainda estar com
o Travis.
— Ei! — disse Travis, estendendo a mão para trás para
bater no irmão.
— Chega! Parem! Agora! — ordenou Abby. Ela me lembrou
a mim mesma no alojamento, com vinte caras bagunceiros.
— Ah, vocês não estavam juntos no ano passado? —
perguntei. — Achei que vocês tinham se casado agora, em março.
— Foi isso mesmo — disse Travis, com um sorriso ridículo
no rosto.
Abby forçou um sorriso, me pedindo para julgá-los.
— Tivemos uma briga enorme... várias brigas enormes,
na verdade... Terminamos e depois fugimos para casar em Vegas. Vamos renovar
nossos votos em St. Thomas, em março, no nosso aniversário de casamento.
— A Ellie também vai a esse evento — disse Tyler. —
Ela é minha acompanhante.
— Já falamos sobre isso — emendei rapidamente. — Acho
que ainda não respondi ao convite.
— Isso é uma câmera? — perguntou Abby, olhando para a
bolsa no meu colo.
— É.
— Você é fotógrafa profissional ou isso é só pra
capturar as bobagens de Ação de Graças da família Maddox?
— Ela é fotógrafa da revista de Estes Park. E
acompanha os bombeiros de elite da região... fez um artigo enorme.
— Eu gostaria de ver o seu trabalho — disse Abby. —
Precisamos de um fotógrafo para o casamento. Quanto você cobra?
— Não cobro — respondi.
— Você não cobra? — perguntou Travis. — Está
contratada!
— Ela é muito boa — elogiou Tyler.
— Agora você tem que ir — disse Abby.
Tyler me deu uma cotovelada, satisfeito. Abby
estreitou os olhos para o cunhado.
— Como foi que vocês dois se conheceram?
— Numa festa — respondeu Tyler, pigarreando.
— Que tipo de festa?
— Na minha festa — falei.
— Quer dizer que você mora em Estes Park? — indagou
ela.
— Isso.
— Você se formou lá?
— Abby, que porra é essa. Qual é a da faculdade? —
perguntou Tyler.
— Só estou conversando — disse Abby com um sorriso
relaxado. Ela era muito boa em alguma coisa. Eu só não sabia em quê.
Ergui o queixo.
— Meus pais têm uma casa lá. Morei nela até pouco
tempo. Agora eu trabalho na revista e tenho um apartamento em Estes Park.
— Como você foi parar numa festa na casa dos pais
dela, Tyler? São seus clientes? — perguntou Abby.
— Não — respondeu Tyler, olhando pela janela.
Abby olhou para Travis.
— Ele está mentindo.
Tyler lançou um olhar para ela.
— Tudo bem, Beija-Flor — disse Travis, se divertindo.
— Chega de bancar a detetive por hoje.
— É isso que você faz? — perguntei. — Você é
policial?
Todos riram, menos eu.
— Não — respondeu Abby. — Sou universitária. Dou
aulas particulares de matemática algumas noites por semana.
Arqueei uma sobrancelha.
— Talvez você devesse tentar esse outro caminho.
Abby pareceu gostar da ideia.
— Ouviu, Trav? Eu devia ser policial.
Ele beijou a mão dela de novo.
— Acho que você não ia dar conta disso.
— Nem eu — complementou Tyler, se aproximando e
sussurrando em meu ouvido. — Ele fica meio maluco quando se trata dela.
— Conheço uma pessoa assim — falei.
Tyler processou minhas palavras, depois sorriu,
claramente aceitando a afirmação como um elogio.
Paramos na entrada de carros de uma casinha com
garagem separada. Havia um Dodge Intrepid vermelho horroroso parado na frente.
Um senhor mais velho e gorducho saiu com outro irmão musculoso, com o mesmo
corte militar e os braços tatuados como os de Travis e os dos gêmeos.
— Trent? — perguntei.
Tyler assentiu.
Quando Travis estacionou, Tyler saltou e bateu no
porta-malas até Travis abri-lo. Ele pegou nossas mochilas e as pendurou no
ombro.
— Você trouxe menos coisas do que eu — disse Abby. —
Estou impressionada.
Sorri, ainda sem saber se ela planejava ser amiga ou
inimiga.
— Entrem, entrem — gritou o sr. Maddox para nós.
Tyler deu um abraço de urso no pai e um soco no braço
de Trent antes de abraçá-lo também.
— Trent — disse ele, apertando minha mão.
— Ellie — respondi. — Prazer em conhecê-lo.
— Estamos muito felizes por ter vindo — disse o sr.
Maddox.
— Muito obrigada por me receber, sr. Maddox.
Ele deu um risinho, colocando a palma da mão sobre a
barriga, como uma grávida alisando o ventre inchado.
— É só Jim, menina. Entrem, entrem! Vamos sair desse
frio! Tivemos uma frente fria malvada esta semana.
Trent segurou a porta de tela para passarmos, e eu
entrei na casinha minúscula. O carpete era surrado, e os móveis, uma ode à casa
de Uma história de Natal. Eu meio que esperei que Ralphie estivesse sentado no
alto da escada, usando uma fantasia de coelho cor-de-rosa, e sorri quando me
lembrei de ver esse filme em inúmeras noites de Ação de Graças no colo do meu
pai, balançando enquanto ele gargalhava durante mais de uma hora.
Inspirei o cheiro da fumaça e do carpete velho, e me
senti estranhamente à vontade. Paramos na cozinha, observando uma garota que
lavava pratos na pia secar as mãos e estender os braços tatuados para Tyler.
Ele a abraçou, depois ela apertou minha mão. Seus dedos estavam enrugados da
água com sabão, mas ainda dava para ler a palavra baby doll nos nós dos seus
dedos. Um piercing de diamante reluzia em seu nariz e, por baixo do espesso
delineador, ela era impressionantemente linda. Tudo nela, desde o cabelo curto
até o sorriso tímido, me lembrava de Paige.
— Essa é a Cami — disse Trent.
— Ou Camille — disse ela. — O que preferir. Prazer em
te conhecer.
— A Cami pertence ao Trent — disse Abby, apontando
para o irmão correto.
— Na verdade... eu pertenço a ela — disse Trent.
Camille ergueu o ombro, se equilibrando sobre a
lateral do pé.
— Acho que vou ficar com ele.
— Acho bom — disse Trent, piscando para ela.
Tyler pigarreou.
— Onde vamos dormir?
— Eu levo vocês — disse Abby.
Ela beijou o marido no rosto, depois nos conduziu
para o andar de cima, até um quarto com um beliche e uma cômoda. Retratos
empoeirados de garotos sujos e fotos escolares de Taylor e Tyler dentuços e com
os cabelos desgrenhados estavam pendurados nas paredes forradas de lambris.
Troféus de beisebol e futebol americano lotavam uma estante.
— Aqui está — disse Abby, ajeitando o cabelo atrás da
orelha. Ela apoiou as mãos nos quadris, dando uma última olhada ao redor do
quarto para confirmar se estava adequado antes de nos instalarmos. — Lençóis
limpos nas camas. O banheiro é no fim do corredor, Ellie.
— Obrigada.
— Vejo vocês lá embaixo — disse Abby. — A Cami e eu
estamos preparando uma comida, se vocês quiserem descer. Pôquer mais tarde.
— Não joga com ela — alertou Tyler, apontando para
Abby.
— Por quê? Ela rouba? — perguntei.
— Não, ela é uma vigarista maldita. Vai levar todo o
seu dinheiro.
— Não todo — disse Abby, olhando furiosa para ele. —
Eu devolvo uma parte.
Tyler resmungou alguma coisa bem baixinho, e Abby nos
deixou sozinhos, fechando a porta ao sair. O quarto de repente pareceu
minúsculo, e eu tirei o casaco.
— Ellie.
— Sim?
— Você parece muito nervosa.
— Preciso de uma cerveja e um cigarro.
Ele estendeu o maço e o isqueiro, dando alguns passos
para abrir a janela. Acendi o cigarro e inspirei fundo, mantendo os pulmões
cheios de fumaça até me ajoelhar ao lado da janela e expirar.
Tyler acendeu o dele, estendendo a mão para trás até
a cômoda e pegando uma pequena tigela vermelha com recortes na borda.
— Cinzeiro secreto? — provoquei.
— É. Ele nunca descobriu. Tínhamos muito orgulho
disso.
— Rebeldes.
Tyler deu um trago e soprou pela janela, olhando para
o antigo bairro lá embaixo.
— Dei uma surra no Paul Fitzgerald naquela esquina. E
no Levi... droga... não consigo me lembrar do sobrenome dele. Que estranho...
Achei que ia me lembrar desses garotos pra sempre. Você ainda lembra de todos
os seus amigos de infância?
— A maioria ainda está por perto. Alguns morreram de
overdose. Outros cometeram suicídio. O resto está por perto. Eu os vejo em
bailes beneficentes de vez em quando. Bom... costumava ver... quando ainda ia
nesses bailes.
— O que é um baile beneficente, exatamente? —
perguntou Tyler.
Nós dois rimos, e eu balancei a cabeça, dando o
último trago antes de esmagar a guimba no cinzeiro secreto de Tyler.
— Um ímã de babacas.
— Bom, é por uma boa causa, certo?
Bufei e depois me levantei, colocando a mochila na
cama de baixo e abrindo o zíper.
— Peguei primeiro — falei, colocando minhas coisas
sobre a cama. Como Tyler não respondeu, virei e o peguei me encarando. — Que
foi?
Ele deu de ombros.
— É legal... você aqui.
— Obrigada por me convidar. Desculpa por ser uma vaca
mal-humorada. — Engoli em seco, e minha garganta pareceu seca e fechada. Jim
parecia ser um cara que gostava de cerveja, e eu esperava que ele tivesse um
pacote ou dois na geladeira lá embaixo. Era tudo que eu podia fazer para não
correr escada abaixo e abrir a porta para descobrir.
Passei os dedos nas lombadas de alguns livros que
estavam ao lado dos troféus.
— James e o pêssego gigante? — perguntei.
— Ei. Esse livro é muito bom, caramba.
— Chamar você de pesseguinho parece adequado, agora.
— Cala a boca — disse Tyler, segurando o cinzeiro
fora da janela e virando-o de cabeça para baixo para esvaziar o conteúdo. Então
empurrou o peitoril para baixo, trancando a janela.
— E aí... qual é a da Abby, a policial?
Sentei na cama, e Tyler sentou ao meu lado, pegando
minha mão e deslizando os dedos entre os meus.
— Nunca trazemos ninguém pra casa, então ela é
hipersensível em relação a isso. Ela é nossa irmã... superprotetora.
— Tudo bem. Eu gostei dela.
Ele encarou o carpete, soltando uma risada.
— Eu também. Ela realmente salvou esta família...
salvou o Travis... de várias maneiras.
— Eles se amam de verdade. É meio nojento.
Ele deu uma risadinha.
— É. Eles costumavam brigar o tempo todo. Partiram o
coração um do outro. Quando eles terminaram, achei que o Trav ia enlouquecer.
Agora olha só pros dois. Estão loucamente felizes.
— Eles fazem isso parecer fácil... como se qualquer
pessoa conseguisse fazer funcionar.
— É fácil, Ellie.
— Não sou a Abby.
— Ela também teve muitos problemas. Se você ouvisse a
história dela, talvez se sentisse um pouco diferente em relação às coisas.
— Duvido. Achei que não íamos conversar sobre isso.
— Conversar sobre o quê?
Olhei furiosa para ele, e ele sorriu para mim, com a
covinha aparecendo, tornando impossível para mim continuar com raiva.
— Quero ser nojento com você — disse ele.
— Bom... quando você fala desse jeito...
Ele se aproximou e roçou os lábios nos meus. Meu
corpo reagiu instantaneamente, e o desejei mais do que tudo. Coloquei a mão sob
sua camiseta, passando os dedos em suas costas.
— Não — sussurrou ele. — Não estou falando disso. —
Então se afastou, tirando minhas mãos de sua camiseta. Suspirou. — Amanhã à
noite vai fazer um ano que vi meu irmão mais novo sofrendo como nunca na vida.
— Mas parece que deu tudo certo.
— É isso que eu fico me dizendo. Olho pra eles e
lembro o que foi preciso pra chegar até aqui, como a Abby era confusa e teimosa
e como o Trav nunca desistiu.
— Tyler...
— Não fala. Temos um fim de semana inteiro pela
frente.
Ele beijou o canto da minha boca e se levantou, me
puxando junto. Descemos a escada, de mãos dadas. Abby nos observou até Tyler me
soltar para se juntar aos irmãos na sala ao lado.
— Ainda são só amigos? — perguntou Abby.
— Você vai direto ao ponto, né?
Ela deu de ombros.
— Não faz sentido dar voltas. Esses garotos passaram
por muita coisa. Por algum motivo, eles também são gulosos por uma punição.
— Acho que você sabe bem — falei, me apoiando no
balcão para sentar e pegando uma maçã na fruteira. Esfreguei a fruta na calça
jeans e dei uma mordida. — Quem interrogou você pro Travis?
Abby arqueou uma sobrancelha.
— Touché.
— Calma, meninas. Estamos todas do mesmo lado — disse
Camille enquanto eu mastigava.
Abby deu um sorriso forçado.
— Estamos?
— O Tyler é meu amigo — falei.
Camille e Abby trocaram olhares entendidos, depois
Abby se inclinou sobre o balcão ao meu lado.
— É isso que todas nós dizemos. Então... você vai
levar aquela câmera pro meu casamento?
Olhei para as duas, que me encaravam com expectativa.
Finalmente, fiz que sim com a cabeça duas vezes, devagar e enfaticamente.
— Seria uma honra.
— A America vai surtar — alertou Camille.
— Quem é America? — perguntei.
Abby pareceu se divertir.
— Minha melhor amiga. Ela está planejando a coisa
toda. E não gosta quando eu interfiro.
— No seu casamento? — perguntei.
— O Travis e eu fugimos pra casar, então eu meio que
devo uma pra ela. Não quero planejar nada, de qualquer maneira, mas, agora que
temos uma fotógrafa na família...
— Eles são só amigos — provocou Camille.
— Ah, sim — disse Abby, piscando. — Esqueci.
— Baby! — gritou Travis.
Abby pediu licença e foi para a sala ao lado, onde os
garotos Maddox estavam sentados ao redor de uma mesa, encarando cartas nas
mãos. Abby se inclinou por sobre o ombro do marido para analisar a mão de
cartas e sussurrou no ouvido dele.
— Seus babacas ladrões do caralho! — gritou Trent.
— Maldição! — soltou Jim. — Olha essa boca!
— Eles estão roubando! — disse Trent, apontando todos
os quatro dedos para Travis e Abby.
— Nós paramos de jogar com a sua esposa, Trav — disse
Tyler. — Se você não parar com isso, também não vamos mais deixar você jogar.
— Fodam-se vocês todos. Vocês só estão com ciúme —
desdenhou Travis, beijando o rosto de Abby.
Tyler me olhou por meio segundo antes de voltar sua
atenção para as cartas.
Meu estômago afundou. Travis e Abby, nojentos,
felizes e desavergonhados na demonstração pública de afeto, eram como Tyler
achava que seria comigo. Era por isso que ele se recusava a acreditar em mim ou
até mesmo me escutar. Ele sabia que Travis e Abby tinham sobrevivido ao que
quer que tivessem enfrentado e achava que poderíamos fazer a mesma coisa.
Saltei do balcão e puxei a maçaneta da geladeira,
vendo garrafas de Sam Adams enfileiradas na prateleira da porta. Peguei uma e
tirei a tampa, tomando um gole. Meu corpo relaxou instantaneamente, e eu deixei
minhas preocupações e minha culpa irem embora.
— Vocês vão voltar pro Natal? — perguntou Camille.
Balancei a cabeça, começando a falar das minhas
dúvidas, mas Tyler me interrompeu.
— Ãhã. Mas vamos voltar pro Colorado pro meu
aniversário. O Taylor decidiu que quer dar uma festa.
— Estou convidada? — provoquei.
A boca de Abby se contraiu para um lado.
— Odeio o fato de vocês morarem tão longe. Vocês
podiam vender seguros aqui, sabia?
Tyler se remexeu, e eu vi o reconhecimento cintilar
nos olhos de Abby. Ela era um detector de mentiras ambulante e sabia que eles
não estavam falando a verdade.
— É, mas o que fazemos dá um bom dinheiro, Abby. E
nós gostamos do Colorado.
— Vocês estão se saindo bem. Continuem fazendo o que
for, se é isso que vocês amam — disse Jim, trocando olhares com Abby.
Que merda. O Jim também sabia.
— Alguém conhece o cavalheiro que estacionou um Lexus
alugado lá na frente na última meia hora? — perguntou Jim.
Abby correu até a janela para ver, e a expressão dos
garotos ficou imediatamente séria. As cadeiras arranharam o piso desbotado e
lascado da sala de jantar enquanto eles se levantavam para atravessar a casa,
entre o sofá e a televisão, para olhar pelas janelas. Discutiram por um instante
quem deveria ser aquele motorista. Nenhum deles o reconheceu, mas todos
pareciam ter certeza de que o pai estava certo de achar que ele observava a
casa.
Eu me perguntei se era Trex, e Tyler fingiu não
saber, mas ele não era tão bom em mentir, e Abby não pareceu perceber.
Parei atrás de Tyler, espiando por sobre seu ombro, e
me encolhi imediatamente.
— Caralho.
— Que foi? — disse Tyler, virando para me encarar. —
Você sabe quem é?
A família Maddox virou sua atenção para mim, e eu me
encolhi, enjoada de vergonha.
— É o Marco.
— Quem é Marco? — perguntou Abby.
Olhei para Tyler, humilhada até de dizer as palavras.
— A babá da minha irmã. Ela deve ter mandado ele
ficar de olho em mim.
Tyler apontou para a janela.
— Eu já vi esse cara antes.
— É, ele levou a Finley e eu pra casa depois do bar,
uma vez.
— Não, eu já vi esse cara do lado de fora da
revista... em frente ao meu apartamento. Ele está te observando há muito tempo.
Minha expressão mudou de confusão para espanto e
raiva numa questão de segundos.
Empurrei Tyler e passei por ele, saindo porta afora e
pisando duro até chegar ao Lexus. Deu para ver o pânico nos olhos de Marco
enquanto eu atravessava a rua e abria a porta dele com violência.
— Que porra você está fazendo aqui?
Marco jogou o jornal para o lado.
— Ellie! Que surpresa!
Balancei a cabeça, tirando o celular do bolso
traseiro da calça jeans. Levei o celular ao ouvido, ficando com mais raiva a
cada toque.
— Não acredito que você não vem para o Dia de Ação de
Graças — atendeu Finley. — Não acredito que você está desistindo da nossa
família! Eles só estão tentando te ajudar!
— Manda o Marco pra casa. Agora. Senão eu chamo a
polícia.
— Do que você está falando?
— Estou parada bem ao lado dele... em Eakins,
Illinois! Qual é o seu problema? — gritei.
Ouvi passos rápidos se aproximando e virei para ver
Abby correndo pela rua, antes de jogar o casaco de Tyler sobre meus ombros. Ela
cruzou os braços na cintura, olhando furiosa para Marco. Sua respiração saía
como uma nuvem branca, como um touro pronto para atacar. Pela primeira vez desde
que saí do alojamento Alpino, senti que havia um exército atrás de mim.
— Ellison — começou Finley —, você não liga pra
gente. Não paramos de nos perguntar se alguém teve notícias de você... Às vezes
nos perguntamos até se você está viva. E, como você nunca atende nem retorna
minhas ligações, sou obrigada a fazer isso! Não vou pedir desculpas por te
amar!
Suspirei, levando a mão ao rosto.
— Você está certa. Não tenho ligado. Mesmo assim,
você não tem o direito de mandar seu capanga pra me vigiar. Você tem ideia de
como isso é humilhante? A família toda do Tyler está testemunhando isso!
Abby encostou no meu ombro.
— Essa não é a pior coisa que eu já vi. Não sinta
vergonha.
Finley fungou.
— Droga, Fin, não chora.
— Sinto saudade. Você é minha melhor amiga. Parece
que eu nem te conheço mais.
— Ela está chorando? — perguntou Marco, com pavor nos
olhos.
— Manda o Marco pra casa. Vou te ligar uma vez por
semana, pelo menos, eu prometo. Eu só... não estou cem por cento ainda. Tive
uma recaída.
— Ellie... podemos te ajudar com isso. Queremos te
ajudar. Existem lugares maravilhosos pra onde você pode ir. É só falar...
— Posso fazer isso sozinha.
— Talvez... mas por quê, se você não precisa?
Pensei na sugestão dela, desejando-a tanto por mim
quanto pelas pessoas que me amavam.
Olhei para a casa dos Maddox.
— Vou pensar.
— Feliz Dia de Ação de Graças, irmãzinha. Sentimos
sua falta. Queríamos que você estivesse aqui... até a mamãe.
Abafei uma risada.
— Manda seu escravo pra casa.
Marco levantou as mãos.
— Ela me paga muito bem, srta. Edson, e eu adoro o
que faço.
Revirei os olhos.
— Manda ele pra casa. Tenho certeza que ele está com
saudade de você.
— Está bem — disse ela. — Eu te amo.
Desliguei o celular, bati a porta de Marco e fiquei
esperando o celular dele tocar antes de guardar o meu no bolso traseiro. Abby
enganchou o braço no meu enquanto atravessávamos a rua.
— Edson, é? Tipo Edson Tech?
— É — falei, me encolhendo e semicerrando os olhos no
sol da tarde.
— Recaída?
Suspirei. Não fazia sentido continuar negando.
— Sou alcoólatra, Abby. Meus pais invocaram o último
recurso do amor difícil. Eu estava meio fora de controle.
— Minha mãe também é alcoólatra. Eu me lembro de
quando ela tentava muito não ser.
— Ela não conseguiu resolver?
— Sozinha não, e ela é orgulhosa demais pra pedir
ajuda.
Olhei para o chão, chutando a calçada irregular com
as botas.
— Eu não mereço a ajuda da Fin. Não mereço a ajuda de
ninguém.
— O Tyler te contou sobre mim e o Travis?
— Não muito.
Ela ajeitou o cabelo atrás da orelha, olhando para a
casa.
— Eu tinha certeza que ele era errado pra mim. Minha
família era pior do que imperfeita. Meu pai quase me matou. Afastei o Travis,
achando que ele era ruim pra mim, depois o afastei de novo, achando que eu era
ruim pra ele. No fim, quando o deixei entrar, todas as baboseiras e mentiras
caíram, e nós simplesmente conseguimos ser bons juntos.
— Sei desde sempre que eu era ruim pro Tyler. Ele não
me escuta.
— Quando um garoto Maddox se apaixona, é pra
sempre... — refletiu Abby.
— O quê?
— Se ele estiver apaixonado por você, e o simples
fato de você estar aqui me diz que está, ele não vai desistir. Dá pra ver que
você se importa com ele.
Eu assenti.
— Ele é um bom amigo.
Ela estreitou os olhos. Seu radar estava a mil.
— Certo.
— É verdade — soltei. — Eu me importo com ele. Posso
até... Eu me sinto culpada por não conseguir deixá-lo entrar nem deixá-lo ir
embora. As duas coisas parecem erradas.
— Sei exatamente como você se sente — disse Abby sem
hesitar. — Mas sua irmã está certa. Você não se ama, neste momento. É por isso
que não consegue acertar as coisas com o Tyler. É por isso que não quer
acertar.
Soltei uma risada frustrada.
— Preciso de um drinque.
— Faço um pra você. Mas, se eu fosse você, aceitaria
toda ajuda que conseguisse, se isso significasse que a felicidade estaria do
outro lado. E, acredite em mim... esses garotos... quando eles ficam felizes?
Parece que estamos num conto de fadas. Eles não sabem fazer nada pela metade, e
amar alguém não é exceção.
Os irmãos saíram para a varanda com Camille, assim
que Marco se afastou do meio-fio.
Tyler desceu os degraus e atravessou o jardim,
pousando o braço em meu ombro.
— Você está bem?
Fiz que sim com a cabeça.
— Finley? — ele perguntou.
— Está tudo bem. Eu não tenho telefonado. Eles
estavam preocupados comigo.
Ele beijou minha têmpora.
— Vem. Você está congelando.
Tyler me conduziu para dentro, com Abby logo atrás de
mim. Travis a abraçou no mesmo instante e esfregou a parte superior dos braços
dela. Depois, pegou suas mãos e as assoprou. Os dois se olharam como se
estivessem guardando um segredo. De repente, ser nojento não pareceu tão ruim.
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